sexta-feira, 21 de maio de 2010

O Grito de Uma Sem Terra...

PARA RELEMBRAR O ANO DE 2006.

Chamo-me Maria Eugénia Rodrigues de Sampaio e Melo, sou Professora do Quadro da Zona Pedagógica de Bragança, com 26 anos de serviço completados em 22 de Janeiro de 2006! FUI APUNHALHADA PELAS COSTAS!
Durante anos a fio calcorreei a pé, à boleia, de carro, de comboio as Escolas do Distrito?26 ANOS! Neste momento a minha vida é um deserto onde o próximo poço com água, a escola onde fui colocada, se situa a cento e muitos quilómetros da minha casa? DA MINHA CASA.
Sou Professora, Mãe, Esposa e uma cidadã exemplar pois tenho cumprido com brio e uma dedicação extrema a profissão que abracei com ânimo. O País deve-me muito mais do que me paga. É com um brilhozinho nos olhos que recebo em minha casa os meus antigos alunos, já homens e mulheres com filhos?aos quais eu ajudei a acreditar que vivíamos num País justo e fraterno e que era preciso acreditar que o trabalho e a dedicação são recompensados. Eles e Elas não esqueceram as minhas palavras.
Abracei a minha profissão com, agora entendo exacerbado, amor, carinho e dedicação. Hoje, estou desiludida e FARTA deste País que nada me dá em troca.
Vou fazer 50 anos de idade e durante estes anos todos tenho-me deslocado a pé, de carro, de autocarro de comboio com os meus filhos às costas, para poder ajudar a dar uma vida digna aos meus filhos e aos filhos dos outros.
Como prémio pela minha dedicação, nunca tive possibilidades de gozar as minhas férias como qualquer funcionário o faz, com a tranquilidade que me permitisse "descansar":
- Onde será que vou "parar" no próximo ano?
Uma vida inteira a aguardar com impaciência, sofrimento, angústia e nervosismo a minha sentença (colocação). O ambiente familiar sempre dependente da sentença que me seria imputada pelos meus crimes?
Passados 27 anos, a minha angústia transformou-se no pior dos pesadelos. A sentença está ditada e a pena pelos meus crimes (a minha culpa) foi o desterro a cento e muito quilómetros durante 3 anos sem poder apelar a qualquer instância:
- De que me acusam?
- É crime neste País ser professor ou Professora do 1º Ciclo do Ensino
Básico e ter 26 anos de serviço?
- É crime ter ajudado centenas de crianças a transformarem-se em cidadãos de corpo inteiro letrados e responsáveis?
- É crime ser velha?
- De que me acusaaaammmmmm, sem sequer me ouvirem?
- Quero ajuda psicológica JÁ!
- Será que me condenaram por ser Professora do 1º Ciclo, uma das que nada faz, que ganha bem e está de férias todo o ano? As dezenas de escolas, as centenas de alunos que sempre amei e amo poderão responder por mim.
- Se é por sermos "todos" uns vadios e uns parasitas porque é que os pais (eu também souuuu) continuam a enviar os filhos para as mãos destes parasitas como eu?
- Será que o Juiz que me condenou e lavrou em acta a sentença sabe ou saberá um dia quantas cabeças cheias de piolhos lavei? Quantos quilómetros de unhas sujas e imundas cortei? Quantos livros para os meus alunos comprei do meu bolso?.quantos lápis quantas borrachas quantas canetas?quantos alunos trouxe ao médico no meu carro e voltei a levar à aldeia fora de horas?.sempre fora de horas?
- Não fui só Professora, fui médica, enfermeira, conselheira, amiga, jardineira de espaços degradados, fui palhaço, fui técnica de informática, por vezes?muitas vezes Mãe e confidente dos meus alunos. Nunca pedi a ninguém que me desse formação sobre aquilo que eu implicitamente sabia que devia fazer.
- Estou destroçada, um farrapo humano, estou indignada com este País ao qual tenho dado todo o meu esforço, toda a minha capacidade de trabalho, todo o meu voluntarismo toda a minha dedicação.
- Estou cansada de fazer sofrer ano após ano a minha família, de a ter abandonado quando mais precisaram de mim.
- Estou farta de, ao contrário das famílias que não sabem o que hão-de fazer aos filhos nas pausas lectivas, eu não saber o que hei-de fazer durante os espaços lectivos.
- Estou farta de andar a reboque das vontades políticas deste país e de ser carneirinho obediente.
- Estou farta de pagar as crises para as quais não contribui.
- Estou farta de ser humilhada na comunicação social e pelos "mandantes" deste país.
- Em todas as profissões há maus e BONS profissionais. Mas qual é prémio por tentar ser boa? O DESTERRO!
- Com que forças, com que motivação vou enfrentar os meus alunos se estou doente, triste, amargurada e desiludida com tudo e todos?
- Acabaram todas as minhas ilusões?EU NÃO SOU NINGUÉM, sou um farrapo que tem de pagar as "crises" que os outros criam e fazem.
- Votamos em quem? Nos que nos pisam, aniquilam, humilham MATAM. Vós não sois nada? NADA!
Peço uma explicação, uma justificação para o pesadelo que estou a viver, eu e a minha família. Quero acordar um dia e ver que o sol brilha para mim também, que voltei a ser um ser humano respeitado e com direitos e que valeu a pena ter-me dedicado uma vida à minha profissão.
100 Quilómetros de estrada em Lisboa não são 100 quilómetros de estrada em Bragança.
Eu não sou uma criminosa, sou PROFESSORA DO 1º CICLO!

1 comentário:

  1. Tantos debates televisivos se fazem neste País, e esta alma de dádiva de entrega e muitas outras que infelizmente existem por este País fora, deveriam ter a oportunidade de o fazer publicamente e de preferência com os ditos ministrinhos cara a cara, perante todo o Portugal para vêr de uma vez por todas eles ganham um pingo de vergonha, e mudem o que realmente está mal. Eu não tenho a honra de a conhecer pessoalmente, mas daqui envio os meus sinceros votos de um obrigado por tudo o que fez, e um grande Bem-haja.

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