sábado, 3 de julho de 2010

E...não faltavam divertimentos...

...Só não havia televisão nem Play Station…nem bicicletas…nem luz artificial, o que dificultava bastante os disputados e infindáveis “derbys” futebolísticos nocturnos.
Foi uma imensa alegria quando colocaram o primeiro poste de electricidade à porta da casa do Sr. Manuel Maria.
Um dos nossos campos da bola, atrás da escola das Beatas, era bem pertinho da casa do Sr. Manuel Maria e, com a lâmpada mesmo fraquinha, a brilhar a partir das nove da noite, já não dávamos tantos pontapés nas canelas dos outros, nem sentíamos tantas vezes as biqueiras dos sapatos dos outros nas nossas e, com a bola sossegadinha a rir-se e a esconder-se de nós. Onde está a bola? Onde está a bola?
Raramente um jogo chegava ao fim. Os que estavam a perder arranjavam sempre maneira de sumir com o esférico. Fazíamos uma busca aos arredores, mas às escuras não era fácil encontrar a fugitiva. Como está o marcador? 11 a 9. É melhor continuarmos amanhã. O primeiro a levantar-se de manhã vem saber da bola. Combinado?
A bola aparecia sempre…ainda não tinham inventado o Tratado de Maastricht nem o Acordo de Schengen e Bragança não estava no mapa…
Parece que estou a ouvir as Mães de todos a berrar da janela…Henriqueeeee. Pauloooo, Nunooooo, já são horas de jantar!!! Óh…já são horas de dormirrrr. Já vouuuuu.
Isso sim era liberdade e a liberdade implica sacrifícios. Como muitas vezes, fazíamos “orelhas moucas” ao apelo das nossas Mães, ao chegarmos a casa tínhamos o comité de recepção perfilado e que era essencialmente constituído pelo cinto em riste dos nossos Pais. Tenho saudades…muitas saudades, até das cinturadas que tentávamos evitar, deitados de costas na cama e com os pés levantados a servirem de escudo.
Tínhamos tudo, ou melhor quase tudo. Só não tínhamos, é claro, dinheiro “de mão beijada” como acontece nos tempos “modernos”. Mas tínhamos imaginação. Não nos faltavam estratagemas para angariar os fundos mínimos necessários para comprar os rebuçados onde vinham os “caramonos” da bola, ou para comprar amendoins e, beber uma laranjada ou comer um rajá no Verão. Com os paus dos rajás fazíamos fortes (fortalezas) em cartolina onde os paus, colados com cola de papel, eram a paliçada.
A missa ao Domingo era obrigatória. A opção contrária não era nada agradável, pois passaria seguramente por uns bons tabefes. À semelhança de quase todos os outros rapazitos da minha idade, fiz o percurso…que os ditames impunham.
Na altura, não tínhamos era argumentos para enfrentar o puro consumismo que era proporcionado pelas festas da cidade. Algodão doce e pipocas, as cadeirinhas, os carrosséis, os carrinhos de choque e as barracas de tiro. Uma volta nas cadeirinhas, para os mais corajosos, já custava um escudo. Se abusávamos no primeiro dia, nos dias seguintes ficávamos no quarto a chorar ou íamos frustrados ver os mais velhos, ou os mais bafejados pela sorte, divertirem-se. Nunca tirávamos os olhos do chão não fosse alguém deixar cair cinco coroas.


1 comentário:

  1. Felizmente que em Portugal existe uma palavra que define tudo...SAUDADE
    A minha mãe era muito boa a lançar o pião e a apanha-lo para dançar na mão.
    Ela ensinou-me a mim... que tempos!

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