Se os balcões das casas comerciais contassem histórias a da casa de ferragens Pires&Pires Lda., em Bragança teria certamente muitas para contar. Este tem mais de 70 anos e é lugar ainda para muitas transacções, apesar dos tempos modernos, das grandes superfícies comerciais, de toda a cidade se ter tornado uma cidade bem diferente daquela dos finais da década de 30 do século passado. Encastradas na cidade antiga existem algumas dessas casas vindas do outro século. A verdade é que são poucas e os seus clientes podem não ser muitos, mas são dos mais fiéis. Essa casas sobrevivem ao desgaste do tempo e envergam ainda o mesmo balcão onde durante décadas se vendeu um pouco de tudo, ou quase tudo.
A da história que vamos contar situa-se na Rua Almirante Reis. Abriu portas em 1939. Chamava-se então João Miguel Pires e Irmãos Lda. Foi aberta pelo pai e tio do actual proprietário, Manuel António Pereira Pires. “Isto aqui era um baixo térreo. Penso que havia uma venda de azeite. Ele alugou o espaço e fez obras, com auxílio de um cunhado, e assim nasceu esta casa de ferragens”, conta-nos o filho do antigo proprietário, já falecido. O filho mantém a casa quase como lhe foi legada. “A única modificação foi a montra. Antigamente tinha duas portadas enormes. Depois o meu pai alterou a montra e pôs uma já com alumínios, situada um pouco mais em cima”. Mais tarde, através do PROCOM, o próprio Manuel António Pires colocou um chão novo. O antigo era de cimento. Tinha também um escritório, à entrada, que, pensa agora, talvez não devesse ter retirado. Foi apenas para ter mais espaço para expor a mercadoria. Das coisas que eram ainda do tempo do seu pai há algumas que não vende. Mostra-nos com orgulho uma lata de tinta com 56 anos que abriu o ano passado e ainda estava boa. Assegura que, se a voltasse a abrir, a tinta ainda estava em condições de ser aplicada. “Já a abri duas ou três vezes, porque há pessoas que nem acreditam”. Segundo nos indica, a tinta conservou-se porque não entrou ar e o zinco da lata é de tal qualidade que não apodreceu.
Bomba de Azeite |
A crise do pequeno comércio e a ilusão dos preços.
Manuel António conhece a maior parte dos clientes pelo nome. Às vezes vão comprar algo que necessitam, mas há outras também em que aparecem apenas para “dar duas de treta”, como quem diz conversar. Aí, com conselhos de utilização, se forem necessários, vende ferragens, redes, arame, estuque, serras, tintas, fio do norte, cordas, cadeados, caixas do correio, fita isoladora, cartuxos de gás, tampas de sanita, pulverizadores, mangueiras, fechaduras, e muitas outras coisas, que hoje se podem encontrar em grandes superfícies, que muitos preferem porque aí existe uma oferta mais diversificada. Quanto ao preço, Manuel António assegura que é uma ilusão pensar-se que é inferior ao praticado nestas antigas lojas. “As pessoas não estão atentas aos preços. Entra-se numa grande superfície e ao pôr o pé dentro parte-se do princípio que ali é mais barato do que em qualquer lado. Mentira! Se as pessoas estiverem bem atentas vêem que isso não é verdade”, assegura e dá um exemplo de um plástico fino que serve para cobrir os móveis quando se pintam as casas. Numa grande superfície já encontrou esse mesmo plástico a 1,95 cêntimos, um preço que considera exorbitante, já que ele vende a 90 cêntimos o mesmo material. O problemas é que nem sempre tem o que as pessoas procuram, nos mais variados modelos. Nisso dá crédito às grandes superfícies. “Não tenho espaço e para montar uma casa dessas é preciso ter uns dinheiritos. Ali as pessoas vão e sabem que encontram. Isso temos que concordar”. Com tudo isto, Manuel sabe que estas casas, situadas no centro da cidade, podem desaparecer. “Toda a gente sabe que o negócio, para o pequeno comerciante, não está muito bom, principalmente para aquelas pessoas que têm muitas despesas. No meu caso não. Eu pago renda, mas já vem desde 1939, é uma muito barata, e não tenho empregados. Sou patrão, empregado, mulher da limpeza, faz tudo”.
Coisas que são já difíceis de encontrar.
Na mostra vemos ainda uma antiga foice. “Aquela é uma foice pequenina. Antigamente, quando era para as segadas vendíamos umas foices grandes. Havia muita procura”. Já as catanas, mesmo actualmente, “vendem-se bem”, conta. Também na montra vemos aquilo que chama de candeeiro colonial. Ainda vende à peça, se o cliente o desejar. Ou seja, pode adquirir-se a chaminé independentemente do resto do candeeiro, ou vice-versa. Este candeeiro, muito usado para iluminação do interior das casas antes da chegada da luz eléctrica, funciona a petróleo. Uma das coisas que já não vende, porque não encontra no mercado abastecedor, são as antigas lanternas de estábulo, que eram usadas para iluminar quando, nas longas noites de Inverno, os agricultores iam dar comida aos animais. Por isso se chamam lanternas de estábulo. “Não tenho conseguido arranjar e já me disseram que não tem havido”. De resto, mesmo as foices, a guinchas, as roçadoras, os sachos e enxadas são fáceis de encontrar. Outras coisas, que já não se fabricam, que restam ainda nas prateleiras, desde há muito tempo, como ferros para fazer arados de madeira que quase já ninguém procura, a não ser quando alguém resolve reconstruir alguma dessas antigas alfaias agrícolas que durante séculos sulcaram os campos da região.
Como começou.
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