sexta-feira, 6 de maio de 2011

A Arquitectura Moderna na Terra Fria Transmontana

Barragem de Picote
As mutações de gosto e a aceleração das transformações estéticas podem ser medidas - sobretudo discutidas de forma a qualificarem-se as forças latentes que armaram uma sociedade que atravessou períodos de grande complexidade - pelas intervenções, logo nos começos do século XX, do arquitecto Adães Bermudes (Banco de Portugal, em Bragança), pelo arquitecto Baltazar de Castro (Escolas Primárias) e pelas obras efectuadas em toda a região com a marca inconfundível e estigmatizada do Estado Novo (nomeadamente os edifícios de Escolas Primárias, do Liceu Nacional e Escola Técnica de Bragança, ambos com a assinatura do arquitecto A. Couto Martins).
De farta substância se tem nutrido a Arquitectura Moderna em Portugal e um dos seus capítulos mais interessantes, até pelo trabalho interdisciplinar que promoveu, escreveu-se em terras de Miranda do Douro, quando o governo português, nos termos do acordo assinado em 1927, decidiu o aproveitamento hidroeléctrico do Douro Internacional. Referimo-nos às intervenções arquitectónicas das barragens de Picote e de Miranda do Douro. Embora exterior à Terra Fria Transmontana, também a barragem de Bemposta faz parte integral deste conjunto.
Empreendimentos tradicionalmente encarados como a celebração absoluta das capacidades dos engenheiros, vistos por alguns como os deuses modernos, tiveram, para surpresa de muitos, uma profunda participação dos arquitectos, que conceberam as centrais subterrâneas, os edifícios de comando, o parque social para milhares de trabalhadores e até determinados sectores das barragens.
No desenvolvimento conceptual dos projectos para Picote, Miranda do Douro e Bemposta a Hidro-Eléctrica do Douro, S.A.R.L., empresa fundada em 1953 com capitais do Estado, Caixas de Previdência e particulares, congregou-se um núcleo de arquitectos que nos anos de 1953 e 1954 riscaram, integrados num corpo técnico, as intervenções a desenvolver. Nos anais, registam-se os nomes dos arquitectos João Archer de Carvalho, Manuel Nunes de Almeida e Rogério Ramos. E, se outros arquitectos seriam chamados a colaborar posteriormente, anotem-se também os nomes de artistas como Júlio Resende e Barata Feyo.
Numa região sem tradição de grandes estaleiros, entre 1954 e 1959 decorreu a empreitada de Picote. Além da obra da barragem, propriamente dita, foi necessário desenvolver um programa de instalação a fundamentis de uma pequena cidade: estradas; habitações de tipologias diferenciadas; escola de grande e luminosa vidraça; centro comercial com correio, mercearia, talho, peixaria, drogaria e barbeiro; igreja forrada a tijolo com um singular alpendre e a manter o campanário, isento, como marcador de referência visual. Todas as imagens, alfaias litúrgicas, paramentos e apliques foram expressamente desenhadas; estalagem; piscina; estação de tratamento de água; plano urbanístico. Na captação do espírito do lugar, desenvolveram-se esquemas combinatórios de materiais como o granito e a madeira como o ferro, o cimento e o vidro, numa aproximação coerente à individualidade morfológica pré-existente.
Liceu Nacional de Bragança
O mesmo tipo de preocupações foi transportado para a realização de Miranda do Douro, iniciada ainda quando a empreitada de Picote estava por concluir. No entanto, agora havia que contar com a existência de uma cidade periférica mas com uma carga histórica de grande significado. Por isso, curou-se da articulação dos novos volumes e relações geométricas com os valores já sedimentados. Todavia, tanto o hospital como a pousada são obras estranhas ao trabalho produzido pelo núcleo de arquitectos da Hidro-Eléctrica do Douro.
Mais perto dos nossos dias, a arquitectura moderna foi enriquecida pela reflexão e pelas propostas, ainda que nem todas concretizadas, que o arquitecto Viana de Lima efectuou para as Câmaras de Vinhais e da capital do Distrito. Homem de coragem, em pleno salazarismo, foi um dos que puseram em causa as relações de promiscuidade entre arquitectos e poder, pugnando, no I Congresso de Engenharia, para que fosse reconhecida liberdade aos autores em vez da subordinação a estilos que os organismos oficiais impunham.
Para Vinhais estudou, em 1966, um Mercado Municipal. Propunha o aproveitamento da inclinação do terreno, organizando o edifício em dois pisos e contemplando a articulação harmoniosa com a envolvente urbanística.
Hospital Distrital de Bragança
Para Bragança, em 1960, projectou duas Escolas Primárias, (Beatas e Toural) e dois conjuntos de habitações (Previdência e Toural). Refira-se que os projectos destas escolas foram enviadas pelo autor para a Fundação Calouste Gulbenkian, aquando da organização da II Exposição de Artes Plásticas, datada de 1961. Em 1984 definia-se o Complexo Hospitalar de Bragança que comprendia o Hospital Distrital, a Casa Mortuária, o bloco de Anatomia Patológica, o Hospital de Dia, o Dipensário de Higiene Mental, um Lar e uma Escola de Enfermagem. Ângelo de Sousa e José Rodrigues foram chamados a participar: o primeiro desenhou uma tapeçaria enquanto o segundo, colocado no átrio principal, deu forma a um cubo, representativo de um espelho de água donde emergem as folhas arredondadas de plantas vulgarmente conhecidas como Patas de Cavalo.
No mesmo ano, materializavam-se os Edifícios da Torralta / Montepio Geral, com uma agência bancária, o cine-teatro, o hotel e um café-restaurante. No conjunto das intervenções projectadas, podem-se ainda enumerar os estudos para Estádio Municipal e diversos planos de urbanização que, entre 1983 e 1986, promoviam a reorganização de vários espaços públicos em Bragança.
in:rotaterrafria.com

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