quinta-feira, 28 de maio de 2015

Portugal a Pé - «Agora, até os que emigraram estão mais pobres»

António Farinhas
Nuno Ferreira vai ao encontro de histórias de emigração em Torre de Moncorvo e Mogadouro. De «pobres que enriqueceram, de ricos que ficaram na mesma», de sortidas «cá e lá», entre Portugal e França. Histórias daqueles que também ficaram e que, com teimosia, revelam o seu «acto de resistência».
Quando o comerciante, ex-lavrador, ex-operário fabril e artesão António «Farinhas», aliás António Poço, 75 anos, chegou a Torre de Moncorvo vindo de Vale da Madre, Mogadouro, na vila existiam muitos pobres e meia dúzia de proprietários rurais. «Vim em 1961 para trabalhar no depósito de farinhas das Moagens de Bragança. Em relação a Mogadouro, Moncorvo era uma cidade autêntica. Havia meia dúzia de ricos, donos das quintas. Os pobres emigraram. Os pobres enriqueceram, compraram prédios, os ricos ficaram na mesma. Agora, até os que emigraram estão mais pobres porque querem vender os prédios e não conseguem».
António, que encontrei em Fevereiro passado a vender artesanato juntamente com frutas e legumes junto da Igreja, nunca emigrou mas viu muitos «compadres» partirem para a França. «Agora andam cá e lá, têm lá os filhos, vão e vêm nessas carrinhas que os levam até lá. As estradas são boas».
As mãos de António, essas, nunca pararam. Primeiro no campo, em Mogadouro, depois na moagem, mais tarde no artesanato, até hoje. «Esses carros com os bois que faço em madeira são a cópia dos carros com que trabalhava em Mogadouro. A careja e o feno eram levados em molhes nesses aí. Nos carros dos cestos ia já o pão...»
Torre de Moncorvo
Um dia António e a mulher decidiram deixar Mogadouro e fixar-se na promissora Torre de Moncorvo. «A minha mulher vendeu, quase que deu, as vacas e mulas na feira de Mogadouro e viemos». Trabalhou 12 anos no depósito das Farinhas. «Já desenhava nessa altura, desenhava a lápis, as mãos cheias de farinha». Em 1961 desenhou a Torre da Igreja Matriz, a ex-libris de Moncorvo. «Nessa altura não havia postais nem nada para os turistas como agora».
Ao fim de 12 anos, abriu a loja, ainda com gente, compradores. «Vendia 200 pães cozidos, vendia frango vivo e frango morto, tudo depenado à mão, aos fins-de-semana. Os que matássemos eram os que vendíamos. Levantávamo-nos às três da manhã para trabalhar».
A emigração (o concelho perdeu metade da população desde a década de 50 do século passado) levou muita gente que mais tarde passou a aparecer para construir casas novas ou para comprar na loja de António Jarros, garrafas de vinho, bonecos. «Levavam para dar aos patrões. Agora já não levam nada», comenta sempre bem disposto. «Isto foi morrendo. Hoje Mogadouro cresceu, Mirandela era umas ruelas junto à parte velha e agora é uma cidade. Isto aqui parou».
Umas ruas acima, no interior do bar que mantém juntamente com o irmão João, José Girão explica: «A migração não é voluntária. Se não tivesse este bar provavelmente não estaria aqui». Em Fevereiro passado, os irmãos Girão mantinham um bar com música ao vivo todas as sextas-feiras numa região pobre em actividades do género, uma banda, os Myula, e um jornal local gratuito que acabou por ter de esperar por melhores dias.
João e José Girão, ambos naturais da povoação mas formados fora de Torre de Moncorvo, são um caso de transmontana teimosia. José, por exemplo, formado em comunicação e relações públicas atira-se a tudo o que mexa desde que seja na região: «Já fui delegado comercial numa rádio da Guarda, já colaborei com a LOCAL TV de Vila Real, com o «Terra Quente» e há tempos soube que havia um local de transcriptor no tribunal, inscrevi-me». Tudo para ficar na região: «É a minha terra...»
Rio Sabor
A construção da Barragem do Baixo Sabor deu emprego mas o que acontecerá quando terminarem as obras? «Não havendo trabalho, vai tudo embora daqui. Numa mesa do bar, estão um geólogo, um economista e uma assistente social: Todos desempregados...»
Ficar em Torre de Moncorvo é um acto de resistência. «Os sucessivos governos só vêem o litoral à sua frente. Com a regionalização, sempre olhariam de outra forma para Trás-os-Montes. Um TGV, por exemplo, em vez de nos ligar ao exterior, porque não liga Portugal de lés a lés?», desabafa José Girão.

(*) Nuno Ferreira nasceu em Aveiro em 1962. Licenciou-se em comunicação social na Universidade Nova de Lisboa. Foi colaborador permanente do semanário Expresso de 86 a 89, ano em que ingressou nos quadros do jornal Público (até 2006). Nos últimos 20 anos fez reportagens de cariz social. No Jornal Público manteve uma crónica satírica intitulada “Ficções do País Obscuro” e escreveu sobre música popular americana. Recebeu, entre outros, o Prémio de Jornalismo de Viagem do Clube de Jornalistas do Porto com o trabalho «Route 66 a Estrada da América» (1996). No ano seguinte recebeu o Prémio de Jornalismo de Viagem do Clube Português de Imprensa com o trabalho «A Índia de Comboio». Em 2007 publicou conjuntamente com Pedro Faria o livro «Ao Volante do Poder».

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