sexta-feira, 17 de junho de 2011

Jogo dos Paus

Falar do "Jogo dos Paus" não é difícil. Ouvir falar do "Jogo dos Paus" a quem o joga e sobretudo a quem já o jogou, é emocionante. É o resultado do confronto do presente com o passado que aqui trazemos, para que o futuro não os esqueça.
No "Jogo dos Paus" entram dois parceiros. Cada um deles atira uma bola aos nove paus colocados em- cima da "pedra" que marca o meio do terreno. Jogo muito popular e muito antigo, que exige grande esforço e boa pontaria. Jogo que entusiasmava jogadores e assistência, sempre presente em qualquer desafio. Os tempos livres que a azáfama das lides do campo oferecesse o "jogo dos paus" encarregar-se-ia de os ocupar. No entanto, eram e continuam a ser os dias de descanso, domingos, feriados, dias de feita e de festa, os ocupados no referido jogo, que tanto apaixonava os jogadores como a assistência.(...)/(...)
A Bola e os Paus
A bola apresenta a configuração de um pipo. É feita normalmente de um tronco de carrasco, madeira muito rija, necessária para resistir ao embate contra os paus.
Deve ser feita com madeira verde, e enterrada em terra húmida, para que ao mesmo tempo que "perde sumo" (seiva) ganhe peso e não rache durante o jogo.
O seu peso oscila entre 1,50 kg e 2 kg. Tem um diâmetro com cerca de 10 cm e a altura de 18 a 20 cm. Será mais alta que os paus uns 10cm.
A altura dos paus é uma mão travessa. Estes, são paus de carrascos ou freixo, com cerca de 400 g de peso e 5 cm de diâmetro.
Terreno
Área cuja dimensão mais importante é o comprimento, visto a largura estar condicionada pelo terreno. É sensivelmente rectangular e delimitado pelas "raias", riscos no terreno, que desempenham papel importante na demarcação dos tentos, quer atribuídos aos paus quando as ultrapassam, quer anulando a jogada quando a bola, em certos casos não as ultrapasse.
O terreiro é variável, no que diz respeito à sua delimitação. E isto porque a raia não tem limites certos, estando condicionada pela natureza do terreno.
Se o meio da "pedra" dista das "malhas" cerca de sete passos, e a "malha" dista também da raia transversal cerca de sete passos, isso já não acontece com a distância do meio da "pedra" às raias laterais. Estas exceptuando casos bastante raros, como o terreiro da Senhora da Serra, na serra de Nogueira superfície plana, estão condicionadas pelos elementos naturais que o terreno apresenta.(...)/(...)
Todo o terreiro tem que ter a "pedra", onde se colocam os nove "paus", e duas "malhas" uma do lado de baixo e outra do lado de cima, que formam um sistema rígido, onde o jogador coloca o pé para daí atirar com a bola aos "paus" . O número de paus é nove. A sua posição na "pedra" varia de jogador para jogador. E porquê?
Porque o jogador pode movimentar o pau do meio, da fila mais próxima do jogador, para um outro lado do pau que se encontra no meio da segunda fila. Ficam então, dois paus na frente, quatro no meio, e três na retaguarda. Esta possibilidade de deslocar o pau para a direita ou esquerda, é importante para o jogador. Ao fazê-lo, está a ter em conta a sua pontaria; tendência mais para a esquerda ou para a direita, e, a natureza do terreno; se se apresenta mais inclinado para um ou outro lado.
Além dos nove paus utilizados em cada jogo, existem sempre alguns de reserva. O número de bola é de duas, uma para cada jogador. Podem ou não existir algumas de reserva.
As distâncias não são rígidas, podendo nos casos em que o terreno apresente uma inclinação acentuada, a "malha" de baixo ficar mais próxima da "pedra" que a de cima. São mesmo as inclinações ou dificuldades que o terreno apresente, que determinam qual o lado de baixo e o de cima. Em todos os jogos, o lado mais puxado é o de cima.
Como se joga
(...)Comecemos pelas regras. A bola que atirada do lado de baixo não ultrapasse as raias do meio do campo para cima, "sanca", perde o jogo. O mesmo não acontece se for atirada de cima para baixo. Neste lançamento não há "sancas", mesmo que a bola não passe além das raias, quer extrema, quer laterais.
Os paus que passem as raias vale cada um, dez tentos, os que fiquem tombados dentro da raia, vale cada um, um tento, e os que ficarem de em pé na pedra não pontuam.
Na contagem dos tentos não têm o mesmo tratamento, a bola e os paus. O pau só vale dez tentos se ultrapassar a raia. A bola se chegar à raia já não "sanca". Nestas situações utiliza-se a expressão: "Pau que passe e bola que chegue".
Ao efectuar o lançamento, um pé tem que estar firme na malha. O jogo termina quando um jogador totalizar quarenta pontos.
Quem inicia o jogo? Regra geral, começa aquele que desafia. São muito raros os casos em que acontece o contrário. Esta excepção só se verificará se o que desafia conhece o adversário, e o considera inferior.
O jogador coloca-se na mallha. Os nove paus encontram-se na posição atrás indicada, em cima da pedra. De posse de uma bola, faz o seu primeiro lançamento, que será efectuado sempre do lado de baixo. Pé esquerdo em cima da mallha o direito escolhe a posição mais apropriada para ajudar no impulso que o jogador vai efectuar com a mão direita. Com a bola segura na mão, eleva-se o braço à altura do peito, puxa-se à retaguarda e dá-se um safanão brusco para a frente, atirando a bola em direcção aos paus. O corpo acompanha este movimento, saindo o jogador da mallha, o seu pé direito ao cair no chão, faz uma poça em frente da mallha, a que se chama "malhão".Com este lançamento, que terá de levar força e pontaria, o jogador tentará fazer o maior número de tentos possíveis, podendo mesmo ganhar o jogo. Para que isso aconteça., é necessário que a bola não fique dentro das raias da metade de cima do campo, pois se isso acontecer, o jogador santa, perde o jogo, e que atira com pelo menos quatro paus para fora das raias, número suficiente para ganhar o jogo pois totaliza quarenta tentos.
Com um só lançamento, iniciar e terminar o jogo, normalmente só os bons jogadores. (...)
Uma partida
Dois jogadores A e B, que desafiou, faz no primeiro lançamento de baixo para cima, 20 tentos. B, faz também no seu primeiro lançamento, 20 tentos. Segundo lançamento, agora de cima para baixo. A, faz 15 tentos e B, faz 14. Totalizam na primeira mão: A, 35 tentos e B, 34.
Ainda nenhum terminou o jogo, pois não se atingiram os 40 tentos. Continua-se o jogo. Agora os lançamentos são feitos de baixo para cima. Antes do início da segunda mão, se o jogador A perguntar ao jogador B posso começar e se o jogador B disser começa, o jogador A executa novo lançamento que é feito de baixo para cima. Se fizer neste lançamento 40 tentos, ganha dois jogos; o que se estava a jogar que termina e outro, porque fez neste lançamento 40 tentos, o número necessário para ganhar um jogo.
Se fizer 10 tentos ganha o jogo e ficam dez tentos para o jogo seguinte.
Se não fizer pelo menos 5 tentos, ou se não pontuar, joga B, pois ainda não terminou o jogo.
Ao jogador B pode acontecer o mesmo que a A se fizer 40 ou mais tentos neste lançamento, ganha dois jogos. Se fizer 7 tentos ganha 1 jogo e passam os 7 tentos para o jogo seguinte.
Se não fizer pelo menos 6 tentos, continua-se o jogo. Efectua-se novo lançamento, primeiro A, depois B, somando- se os tentos aos que cada um já possuía. Termina o jogo, o que primeiro totalizar 40 tentos.
Vamos supor que nesta 2ª mão o jogador A que já tinha totalizado 35 tentos, faz o lançamento e não pontua. O jogador B que tinha totalizado 26 tentos, efectua o lançamento e faz 2 tentos. Embora continue com menos que A, o jogador B passa, a partir de agora, a ter direito ao lançamento porque ganhou a mão. No lançamento seguinte é o jogador B que começa, e não A, embora A continue com mais tentos que B.
Por mais bem feitas que as bolas estejam, devido ao seu fabrico manual, apresentam sempre alguma diferença. Por isso é necessário que os jogadores troquem de bolas. A mudança de bolas só se faz se o jogo terminar antes das duas mãos. Se o jogo não terminar em duas mãos não há mudança de bola.
Quando terminam os jogos? Se não for acordado no início entre os jogadores, o número de jogos que realizarão, estes podem prolongar-se pela tarde fora.
Nos jogos a dinheiro, quando o jogador mais fraco começa a perder e vê que não tem possibilidades de virar o resultado propõe o f1m do jogo, desistindo. É ao que está a perder que compete desistir.
Por falar em dinheiro, julgo ser oportuno referir que o jogo dos paus se joga a dinheiro ou a vinho. É de notar que só se joga a dinheiro somente com os jogadores de fora. Entre os elementos da aldeia só se joga a vinho. Vinho esse, que é pago por quem perde, mas que é distribuído por um elemento da assistência a quem chamam carteiro. A sua tarefa consiste em ir à buraca do muro, buscar o vinho e fazer a respectiva distribuição.
Se o vinho congrega os elementos da aldeia em tomo do jogo dos paus, e origina uma simbologia própria, onde o carteiro, o homem da caneca, merece destaque especial; o dinheiro selecciona e faz vibrar jogadores e assistência. Só deverá jogar a dinheiro, quem tiver segurança no jogo e dinheiro na carteira.
Fenómeno muito curioso no jogo dos paus, é a existência de matas ou apostas. Neste jogo a assistência também joga apostando nos jogadores, com ou sem o conhecimento destes. Se o jogador é conhecedor da aposta, pode entrar também com a sua parte, dizendo: entro na mata com parte igual.
O número de apostadores não é certo. O mais normal é aparecerem dois adversários. Quando forem dois ou três a quantia da aposta não muda. É sempre igual para todos os apostadores, independentemente do seu número. Se for de 100 por exemplo, e se forem três os apostadores, entrará cada um com os seus 100.
Pode também acontecer que entre a assistência apareça um apostador que não encontre na mesma adversário daquele em que o assistente aposte, como adversário também do apostador. Exemplificando. O jogador A e o B defrontam-se. Um elemento da assistência aposta 500 no jogador A. Mas se não encontra na assistência adversário para a sua mata, o jogador B tomando conhecimento, entra ele na mata, e passa a ser ao mesmo tempo jogador a apostador. Nestas ocasiões, o jogador que entre na mata declina normalmente num elemento da assistência o controlo da sua mata dizendo-lhe: Toma-me conta desta mata, são tantos jogos (número de jogos acordados na aposta), e tanto dinheiro (o combinado também na aposta).
O declinar num terceiro o controlo da aposta, justifica-se pois o jogador necessita para além de força e habilidade, muita concentração para vencer o jogo.
Um elemento interessante, que surge nesta partes das matas prende-se com o facto de que, a maior parte das vezes, este terceiro elemento, o tomador da conta da mata, entrar na mata como parceiro do jogador que lhe solicitou os seus serviços.
Para que não se esqueça o número de jogos que cada jogador vai efectuando, utiliza-se a escala de contagem. Arranja- se um pau limpo (liso). Num lado marcam-se os jogos que ganha um jogador, no lado oposto os que ganham o outro. A marcação é feita através de um entalhe na madeira no lado correspondente ao do jogador que venceu o Jogo.
Conclusão
O jogo dos paus, mais do que centenário nalgumas freguesias dos concelhos de Bragança e Vinhais, continua ainda bem vivo, não só na memória dos mais antigos mas também nas práticas desportivas actuais.
Jogo apaixonante, que exige dos dois jogadores força e muita habilidade, e, que leva a assistência a uma participação activa. Ela não nega o seu entusiasmo às boas jogadas, como ainda joga, fazendo as suas matas ou apostas. Joga-se muitas vezes a vinho e mais vezes a dinheiro. Não raramente as apostas atingem alguns milhares de escudos. É também frequente ultimamente o jogo por simples manifestação desportiva.


Valdemar dos Santos Roca (1985), o jogo dos paus em Carrazedo.
in "Extracto do fascículo I do Vol. XXV" dos Trabalhos de Antropologia e Etnologia.

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