domingo, 19 de abril de 2015

O PADRE MIGUEL


Vi sempre o Sr. Padre Miguel de Almeida envolto num halo de simpatia e respeito. A rapaziada, e não só os componentes dos Pardais da Montanha, tratava-o carinhosamente por “Padre Matateu”.
Oficiava em São Vivente, aos domingos, pelas onze horas. 
Mostrava-se sempre de excelente humor, amável, amigo dos pobres, humilhados e ofendidos.
Pároco de Santa Maria, sorria benevolamente quando lhe estendiam o tapete da pretensa rivalidade com a freguesia da Sé. 
Ele não era homem de sinuosos caminhos, menos ainda amante de rivalidades espúrias e estúpidas.
No seu dia a dia, naquele quotidiano também calcorreado por mim, o Padre Miguel subia calmamente a Rua Direita, e sem ruído entrava no café Chave d´Ouro. Depois estanciava na barbearia onde pontificava o Carlos Gardel. Ouvia e fazia-se ouvir. Era escutado.
Uma viagem a Itália deu origem a diversas recreações da jornada. Sacerdote virtuoso, foi epicentro de episódios ou “estórias” visíveis, vivas, coloridas, a merecerem ficar na história. Lembro um desses episódios.
Passeava o bondoso sacerdote na eira de Espinhosela*, quando um cabaz de palavrões sibilantes lhe caiu em cima. Um pobre diabo esfalfava-se em por uma motorizada a trabalhar. A máquina não correspondia aos esforços do pé no pedal; e vendo a ofensiva gorada, o homem esgotado, despejava obscenidades em cima de obscenidades.
O Padre Miguel aproximou-se, calmo, mansamente repreende o esfalfado e diz-lhe: “Em vez de estar para aí a soltar asneiras, diga antes: valha-me Deus”!”Acabrunhado, o homem obedece e solta um vibrante: “Pois, então, valha-me Deus!”Acto contínuo o motor começa a ronronar docemente.
O Padre Miguel ante o “milagre”, surpreendido, também recorreu a sonoro a sonoro palavrão para justificar o: “Se não visse, não acreditava”.

*Naquele tempo, a Praça da Sé possuía um grande “estrado” em granito, obra de um presidente de Câmara, nado em Espinhosela, Adriano Pires, de seu nome. Nessa eira, estacionava toda a casta de gente.

in:Figuras notáveis e notórias bragançanas
Textos: Armando Fernandes
Aguarelas: Manuel Ferreira

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