sexta-feira, 26 de junho de 2015

O Ciclo do Porco III

 Cebar o Reco
A ceba assumia-se como a dispensa duma casa de lavoura ao longo de um ano. Os lavradores mais abastados da minha aldeia, na década de cinquenta, do século XX, engordavam dois recos para cebas e os mais pobres apenas um.
Havia sempre um ou dois borrões na aldeia para cobrição das porcas. Depois, para o final de Agosto escolhiam-se os que deviam ficar para ceba. Antes, com um mês ou pouco mais os leitões levavam uma escolha e lá ia um ou outro para um manjar. Geralmente na festa da aldeia ou pela Páscoa quem não tinha posses para um cordeiro ou cabrito ficava-se pelo bacorino.
Certo era que pelos 14 ou 25 de Agosto ou pelos 3 de Setembro quem tinha em casa laregos ou laregas a mais botava-os à feira, se não os tinha apalavrados ou vendido já a algum vizinho. A escolha requeria saber, a cor da pele, para ver se era mesmo um porco bísaro bem talhado. Para tal, tinha que ter bastante comprimento entre os quartos e as espadas, as orelhas compridas (quem não gosta de uma boa orelheira), cabeça e o focinho ao jeito de apanhar bem o grão do chão ou a bianda do masseirão ou da pia.
Nos primeiros tempos, quando o larego se estriava na lida da engorda que demorava de 14 a 18 meses, era olhado em vários aspectos do seu desempenho: se era de boa ou rõe boca, se era irrequieto e andava sempre a fossar ou se era sediço e não tendo ficado com os grãos por vezes ficava com a ideia. Para os que preferiam o labuta de fossar ao fresco emboligar num chafurdo ou possa de lama fétida, punha-se-lhe um arganel na cartilagem superior do focinho, geralmente feito de um cravo de ferrar, e tornavam-se mais sossegados, o que equivalia a medrarem mais.
A chegada da feira com os laregos para cebas do ano seguinte era feita de um modo discreto porque havia logo quem dissesse que tinham sido caros ou baratos e havia quem os repassasse com o olhar da inveja. Por isso, eram metidos no curral ou na loije de onde apenas sairiam para o banco da matança, passado mais de um ano. Também os comprados na aldeia eram mudados de dono numa altura que pouca gente desse por isso porque havia sempre quem dissesse que tinham sido comprados baratos ou que não valiam o dinheiro. E nem o comprador ou vendedor gostava de ficar a perder.
A partir do meio do Verão a fruta e outras sobras das colheitas eram aproveitados para engordar a ceba que morreria passados curtos meses e o larego que depois era elevado a candidato à salgadeira e ao fumeiro.
Com o fim dos restos da fruta do Verão ou início do Outono as cebas ficavam biqueiras com os mimos dos figos e das batatas pequenas, tendo que se passar a cozer o trigo, as batatas e os nabos. A dona da casa, mal se apercebia que alguma ceba se enfastiava com a bianda, não se fazia rogada e avançava para as caldeiradas de batatas, de grão cozido e de nabal em grandes baldes, à lareira, e pendurados nas cadeias que eram alteadas ou baixadas consante a fogueira era muito forte ou mais mortiça e as brasas aguentavam o lume.
Por vezes, eram retiradas algumas batatas para acomodar os cães do gado e até algum estômago mais desaconchegado, bastando, neste caso pelar a batata a amarrá-la como se fosse o melhor petisco. 
A comida era tão abundante que o porco não conseguia digerir o grão do pão ou do milho e as galinhas ou os laregos iam aproveitando o que vinha intacto com as fezes.
Até que chegava um dia que do meio-dia para a noite não recebia a ração, quando muito era-lhe dada uma bianda augada e deslavada.

Por: Jorge Lage
in:jornal.netbila.net

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