domingo, 25 de outubro de 2015

O Sobreiro do Encanto

Não eram muitos os fornos na aldeia. As fornadas eram cozidas mais ou menos de oito em oito dias, espaço de tempo que o pão se aguentava e não ficava mofoso. Sempre as mães coziam um molete que quentico, a sair do forno sabia que consolava. Não era preciso manteiga. Só quentico bastava. Era preciso marcar o dia e hora pois, não eram muitos os fornos e embora de utilização comunitária, todos tinham proprietário. Era este que fazia a manutenção quando necessário. A paga pela utilização: uma fogaça/pão que ficava de cada utilizador e de cada fornada. Também deixavam a resentadura que era utilizada para a fornada seguinte. A resentadura é uma pequena porção de fermento, com que se azeda uma porção de massa, que chegue para fermento de uma amassadura completa. 
Utilizavam quase sempre o forno mais perto de casa. Lembro que minha mãe utilizava quase sempre o forno da Dª Aninhas, no Castelo. Deixava uma fogaça, um pouco mais pequena junto à masseira. Depois lá seria retirada pelo proprietário do forno. Parece-me estar a ver o “baile” de corpo que as mulheres faziam no movimento de arranhar o forno. Um pau comprido com um ferro na ponta, segurado e movimentado com a força de super mulheres que espalhavam uniformemente o calor pelos ladrilhos. As fogaças deviam cozer com a mesma temperatura. Poucas serão hoje as mulheres que cozem o seu próprio pão. Muitas nem saberão o que é amassar. Outras coisas fazem mas não cozer pão. O mesmo posso dizer dos homens. 
Consolo-me com um carolo de pão cozido, feito de modo tradicional. Cada vez que vou à aldeia, não menos de seis fogaças compro. Corto em quatro, congelo e depois vou tirando conforme necessito. Não há em Bemposta quem coza para vender mas Sendim tem mais que uma padeira e aí compro as fogaças.
Era meu Intento escrever sobre o encanto da fonte de São Pedro de Bemposta mas foi-me o começo para o forno, não fosse o começo da conta dentro de um forno. Vamos lá encarreirar e botar ao que intento tinha.
Do encanto da Fonte de S. Pedro de Bemposta me diz minha mãe:
“A bisavó do António Sol. ´Sol’ é a alcunha dada a uma família de Bemposta. Belíssima alcunha. Espero que não levem a mal os herdeiros ainda a viver na nossa querida terra ou por esse mundo fora, dentro ou fora de Portugal.
Vamos lá à lenda do Encanto da Fonte de S. Pedro. Dizia eu, melhor, contou-me minha mãe:
“A bisavó do António Sol tinha ido para o forno de madrugada e sem se dar de conta aparece-lhe uma menina dentro do forno:
- Mas que menina tão linda! Que andas a fazer menina?
- Venho falar contigo.
- Então diz o que queres.
- Eu sou um encanto. Se fores capaz de me desencantar ficas muito rica. Mas tens de ir à Fonte de S. Pedro três noites seguidas. Desces caleija abaixo durante a noite que eu hei-de aparecer. 
Na primeira noite apareço-te em forma de serpente, subo por ti acima mas nada temas que eu mal algum te farei. Podes dizer o que quiseres mas nunca poderás dizer: “ai Jasus”. 
A segunda noite, apareço-te em forma de touro. Ficarei muito bravo, a urrar e a querer escornar-te mas nada receies que mal não te farei. 
A terceira noite, apareço-te em forma de demónio mesmo que medo tenhas nada receies que mal algum te farei. Nada a ninguém podes dizer. Achas que és capaz de fazer o que te peço?
Diziam que era uma mulher forte, destemida e afoita, por isso a resposta só uma poderia ser:
- Claro que vou fazer o que me pede menina.
- Lembra-te: podes dizer tudo o que te aprouver mas nada podes contar a ninguém e nunca pronunciar “ai Jasus”!
Fácil dizer que se consegue quando se tem uma menina e tão bonita pela frente, o difícil seria durante a noite enfrentar tamanhos medos. 
A primeira noite, depois da meia-noite lá seguiu caleija abaixo à espera que a serpente lhe aparecesse. Logo à entrada da caleija aparece a serpente rastejando e assobiando. Sobe por ela acima e mesmo para mulher de poucos medos algum receio lhe passava pela espinha acima mesmo sabendo de antemão o que ia acontecer. Aguentou e ultrapassou o susto.
Seguiu-se a segunda noite, ia caleija abaixo e nada de lhe aparecer o Touro como era de esperar. Um pouco antes do sobreiro do encanto aparece o Touro que bufava e urrava por todos quanto buracos tinha. Assustou-se mas aguentou. Voltou para casa mas algum receio tinha e nada podia dizer a ninguém.
Chega por fim a terceira noite. Caminhava caleija abaixo e nada de lhe aparecer fosse o que fosse. Já junto do sobreiro aparece um pouco distante o demónio feito gente que todo ele deitava labareda. Estancou. Pensou: “nada temas, sabes que mal algum te vai suceder.” O demónio aproxima-se mais e mais dela e as labaredas chiçpam por todos os buracos que o demónio tem. Chiçpábam os olhos, chiçpam os narizes, chiçpam os ouvidos, chiçpa a boca e todo ele é labareda como os fogos dos infernos a chiçpar por todos os lados. Ampeça a rodeá-la e mete-a dentro das chamas e ela quando se vê dentro das chamas, não aguenta e só diz: ‘’ai Jasus” que m’acuda. Tudo para e só ouve uma voz: “ah ladrão que perdeste o encanto”.
António Cangueiro

Muitas vezes passei junto do sobreiro do encanto. Um sobreiro de grande porte que penso ter sido mandado cortar por ter apanhado alguma doença e morrido. Assim conto a conta que minha mãe me contou sobre o sobreiro do encanto.



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