segunda-feira, 30 de junho de 2014

Agricultura - «Temos o objectivo de chegar a 2020 auto-suficientes em valor» - secretário de Estado da Agricultura

Uma Política Agrícola Comum, em vigor até 2020, focada nos agricultores que trabalham em conjunto, mais incentivos ao associativismo e aos jovens empresários, aproximação do programa LEADER à agricultura, são alguns dos temas abordados, em entrevista, pelo secretário de Estado da Agricultura. José Diogo Albuquerque sublinha também as parcerias com o sector do turismo e a aposta em fomentar a ligação entre os empresários agrícolas e os investigadores científicos.
Café Portugal - A nova Política Agrícola Comum (PAC) vigora até 2020. Pode enquadrar-nos, sublinhando os principais princípios e mecanismos em vigor e como podem estes reverter para os agricultores nacionais?
José Diogo Albuquerque - O novo quadro comunitário mantém os apoios comunitários à actividade agrícola. Conta com um foco maior em agricultores que trabalhem mais em conjunto. Isto traduz-se na tendência para trabalharem mais ao longo da cadeia, não produzindo só, mas transformando em conjunto. O novo quadro comunitário tem também um foco na internacionalização, que vai levar a maior exportação. Tem ainda um pacote de medidas agro-ambientais reforçado e potente. Embora contemos com o mesmo nível de apoio comunitário em relação ao quadro anterior, há coisas que no passado financiávamos com dinheiro da agricultura que passam a ser financiados com fundos estruturais, como por exemplo o regadio do Alqueva e os apoios às empresas de agro-indústrias. Isso fez com que poupássemos dinheiro para canalizar para medidas agro-ambientais que vão ter apoio em todo o território, o que também vai manter a actividade agrícola em todo o território. Vamos ter um sistema de seguros mais robusto com financiamento comunitário e um LEADER mais orientado para a agricultura. Tudo isto fará com que haja uma aposta clara na actividade agrícola core, e com olhar para o mercado.
C.P. - A agricultura nacional tem ganho destaque na economia e na sociedade. Fala-se agora da urgência em apostar no agronegócio. O presente quadro comunitário, 2014-2020, colocará em destaque a indústria ligada à matéria-prima agrícola? Em que medida?
J.D.A. - Todas as medidas que enumerei trazem por arrasto o agro-negócio, quer sementes, fertilizantes e todo o trabalho a jusante. Haverá ainda um crescimento do sector quando tivermos uma abordagem mais focada no crescimento em valor. Temos o objectivo de chegar a 2020 com a balança comercial neutra, ou seja, auto-suficientes em valor. Isto consegue-se produzindo com uma actividade agrícola forte em todo o território e mais concentração de oferta.
C.P. - No actual Programa de Desenvolvimento Rural (PdR) foi mantido o apoio ao investimento em espaço rural?
J.D.A. - Há um eixo, que já existia no PRODER e que mantivemos, que é um apoio ao investimento que se verifica quanto à exploração agrícola e à agro-indústria. Tanto num, como noutro, vamos dar majorações, na ordem dos 10 a 20%, no caso do agricultor pertencer a uma organização de produtores ou no caso de ser um investimento feito por uma organização de produtores. Queremos que haja mais agricultores organizados em estruturas de produtores e organizações de produtores mais robustas. Na agro-indústria, o apoio ao investimento até quatro milhões de euros vai ser financiado pelo PdR. Acima dos quatro milhões de euros de investimento, os projectos vão ser financiados pelos fundos estruturais.
C.P. - Uma das decisões nacionais tomadas no âmbito da PAC, no 1º pilar, foi o permitir a entrada, no sector, de novos agricultores através de uma abertura controlada do sistema. Pode explicitar?
J.D.A. - A opção que a Comissão Europeia deu, em termos de ajudas para os agricultores, foi de apoiar aqueles agricultores que, em 2013, já estavam no sistema, podendo voltar a candidatar-se em 2015. Depois, permite a opção dos países alargarem a entrada de outros agricultores que não estavam no sistema. E aqui há duas opções: uma é a Reserva Nacional que já tem uma prioridade para jovens que representa 2% do bolo e que pode ser atribuído a jovens agricultores que entram de novo. Mas esta reforma da PAC permite ao país alargar a outros agricultores que entrem no sistema com base numa prova de que já estavam de alguma forma a exercer a actividade agrícola. A fórmula que encontrámos de fazer uma abertura, que fosse administrativamente possível e controlada, a esses agricultores, que não estavam no sistema mas já faziam agricultura, foi a de alargar a possibilidade de entrada para o primeiro pilar para todos os agricultores que estavam a tomar medidas do desenvolvimento rural, como as agro-ambientais ou apoio às regiões desfavorecidas. Essa é a abertura controlada. Controlada mas grande, porque vão entrar 23 mil agricultores, o que corresponde a uma área com 73 mil hectares. Temos neste momento 150 mil agricultores que recebem apoios do primeiro pilar. Em breve vamos ter mais.
C.P. - Está também previsto aplicar o regime da pequena agricultura. Pode pormenorizar?
J.D.A. - Na reforma da PAC havia várias opções para este regime. Tomámos a opção mais extrema e benéfica para os produtores. Uma opção era não aplicar o regime e continuar a atribuir o que já recebiam, que muitas vezes é de 50, cem euros anuais. Outra opção era manter os níveis que os agricultores recebem agora mas simplificar os controlos. Ainda uma outra opção era criar uma ajuda forfetária igual para todos. Neste caso, todos os agricultores que recebem abaixo dessa ajuda forfetária, sobem para esses valores de referência. Há ainda opção de a ajuda dos controlos ser mais simplificada. Isto significa que todos os agricultores passam a receber 500 euros de ajudas. Isto tem, claro, um custo para os outros agricultores que recebem mais. Mas é um custo que penso ter sentido. É uma tentativa de mantermos a agricultura em todo o território dando um claro apoio à pequena agricultora através também da simplificação da parte administrativa, pois já não tem o controlo da condicionalidade. Por outro lado exigimos aos agricultores que aumentem a sua área mínima dos actuais 0,3 hectares para meio hectare. 
C.P. - A estrutura de financiamentos no âmbito da iniciativa LEADER também sofreu alterações. Pode pormenorizar?
J.D.A. - A Comissão Europeia nesta reforma da PAC entendeu que o LEADER, em vez de ser financiado só pela agricultura, passa a ter um financiamento plurifundos. Ou seja, fundos da agricultura, mas também estruturais. O que vamos fazer é que os fundos da agricultura sejam aplicados em actividades mais orientadas para a agricultura. As outras actividades menos ligadas à agricultura, ou não ligadas de todo, vão ser financiadas pelos fundos estruturais. Por exemplo, uma exploração de leite que faça uma geladaria vai ser financiada pelo LEADER pela vertente agrícola. Uma geladaria no centro da vila vai ser financiada pelo fundo não agrícola. O LEADER vai passar a gerir uma medida que antes era gerida fora do LEADER, e nacionalmente, que é o apoio aos pequenos investimentos. Um agricultor que compre, por exemplo, um motocultivador a partir de agora vai fazer isso no LEADER. Esta medida é claramente uma reorientação do LEADER para começar a trabalhar directamente com os agricultores.
C.P. - Estas medidas foram debatidas com as associações locais que gerem no terreno iniciativas LEADER?
J.D.A. - Sim. Levou a algumas resistências e receios pois é um caminho novo. Mas esta é uma forma de optimizar os fundos. É uma coisa que o LEADER queria. E eu acho que sem agricultura não há mundo rural. Podemos apoiar as actividades do mundo rural que não ligadas à agricultura e por isso o mérito desta abordagem plurifundos. Foi uma decisão altamente consultada com todos os intervenientes.
C.P. - O sector tem atraído um número significativo de jovens agricultores. Estamos perante projectos sólidos ou «fugas» a desemprego e trabalho precário?
J.D.A. - Os dados falam por eles próprios em resposta a essa pergunta. Os jovens agricultores a entrar no sector têm uma dimensão média de exploração quase o dobro da média de exploração normal em Portugal. Quer dizer que estão a entrar com dimensões grandes. Há logo aqui uma indicação de que não é assim tão utópico como possa parecer. À volta de 30% deste jovens agricultores tem educação a nível de secundário ou superior. Muitos deles estão em sectores como azeite e hortícolas, mas muitos deles estão ligados a novos sectores, muito voltados à exportação, como ervas aromáticas e pequenos frutos. Claro que há sempre gente que tenta a agricultura porque há crise noutros sectores. Alguns sabem o que estão a fazer, outros vão meter-se no negócio a achar que é fácil e depois vão perceber que a agricultura hoje é de ponta e não é assim tão fácil. Há também uma abordagem conservadora de achar que todos estes jovens não têm futuro, o que não é verdade. A maioria tem boa formação, alguma agrícola, instalam-se com dimensão acima da média e com vocação para o mercado.
C.P. - Apesar da implantação de jovens agricultores, com uma média mensal de 200 candidaturas aprovadas, em 2013 a idade média do agricultor nacional rondava os 60 anos. Como se pode tornar o sector mais atractivo?
J.D.A. – Verifica-se uma saída de pessoas mais velhas do sector e entrada de jovens, que não têm de ser necessariamente em mesmo número. Tem de haver uma consolidação do terreno e era bom que os jovens que estão a entrar para o sector o fizessem com médias de terrenos maiores, isso torna as empresas mais competitivas. Temos de trabalhar nestes apoios aos jovens. O ano passado entraram 280 jovens por mês no âmbito do PRODER. No primeiro pilar também está aumentar o número de jovens agricultores. Nesta nova PAC, vamos implementar o regime de jovem agricultor o que quer dizer que vai haver um aumento de 25% do apoio aos jovens agricultores que já recebam apoios no primeiro pilar. Temos de trabalhar no acesso à terra, através de medidas nacionais como a Bolsa de Terras, porque consegue-se com isso desmobilizar terras para jovens agricultores, e trabalhar naquilo que é essencial que é tornar a actividade agrícola num bom negócio. Se é um bom negócio vão jovens e não jovens. Esta reversão geracional é importante fazer, mas não é tirar quem lá está. Tem de se dar espaço aos jovens.
C.P. - Afirmou que «é necessário um maior associativismo agrícola para reforçar o dinamismo» do sector. Como se promove o associativismo num país onde o movimento associativo tem pouca expressão?
J.D.A. – A nossa mensagem nos últimos três anos tem sido clara: dizemos aos agricultores que é preciso produzir, trabalhar em conjunto, equilibrar a balança comercial. Para isso temos de ter medidas concretas. A nossa opção foi dar apoios maiores no programa de desenvolvimento rural a todos aqueles que trabalhem mais em conjunto através das Organizações de Produtores. O associativismo agrícola, neste caso, é no sentido de conseguirmos comercializar em conjunto. No PRODER já fizemos um aumento de 5% para novos investimentos para quem está inserido numa organização de produtores, agora subimos esse apoio até 10%. Na implementação de medidas agro-ambientais vão ter uma majoração de 3% no caso de pertencer a uma organização de produtores. Tudo somado, gradualmente, faz uma diferença significativa.
C.P. - Esta medida pode levantar questões como a criação de organizações de produtores apenas para obter os benefícios. Como se pode evitar esta situação?
J.D.A. - Nunca podemos evitar completamente que haja excepções à resposta de uma política pública. Vamos rever a legislação nacional que classifica o que é uma organização de produtores e nalguns casos colocar critérios mais exigentes. Nos casos em que já somos exigentes vamos rever. Por outro lado, existe no PdR uma medida de apoio a novas organizações de produtores, mas essa vamos aplicá-la apenas em sectores e regiões em que haja pouca organização ou seja inexistente. Vamos ter critérios de selecção para focar que esses apoios sejam só para onde não existem organizações de produtores e não para onde já as há. Em conjunto, acho que esta medida vai permitir incentivar a concentração de oferta. O nosso objectivo é mesmo que os agricultores que estão fora de organizações passem a estar dentro, e não tanto duplicar e criar mais organizações de produtores.
C.P. - A transferência de conhecimento científico para a realidade empresarial nem sempre é fácil. Como se pode aumentar a capacidade transferência de conhecimento científico para o sector agrícola e florestal?
J.D.A. - A forma mais correcta, e a reforma da PAC permitiu isso, é a criação dos chamados «grupos aproximantes», em que obriga que apoios públicos à investigação existam só nos casos em que haja uma plataforma que junte investigadores e o sector. Obrigar à existência de organizações de produtores e agricultores dentro da plataforma é a forma mais correcta de não ter uma investigação abstracta e ter uma investigação aplicada, com os resultados a passar aos agricultores. A criação da plataforma tem de partir do sector. Qualquer sector pode juntar-se com uma unidade de investigação e, para o efeito que queira, candidatar-se a estes apoios para um determinado projecto.
C.P. - A Confederação dos Agricultores de Portugal considera importante trabalhar em parceria com a entidade congénere no Turismo, a Confederação do Turismo Português. A nível de Governo, as respectivas secretarias trabalham em conjunto estes sectores?
J.D.A. – Já trabalhamos sim. Na estratégia do turismo foram feitas uma série de referências para o sector agrícola. Recentemente, estabelecemos um protocolo entre a ViniPortugal e o Instituto do Turismo Português, que foi firmado por mim e pelo secretário de Estado do Turismo. Começamos com o vinho e vamos continuar a trabalhar mais neste sentido. Vamos continuar a trabalhar para conotar a agricultura com o turismo.

Sara Pelicano
in:cafeportugal.net

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