sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Notícias de Bragança por volta do ano de 1721

Rua das Amoreirinhas, antiga Rua da Moreirola
Das cinzas de Bragança arruinada ressuscitam nesta notícia algumas memórias da sua grandeza, não digo aquela fabulosa. E dizem alguns do vulgo que em tempo antigo fora esta cidade tão grande que chegava junto a Braga e favorecia o seu dizer achar-se em escrituras que Bragança ficava perto daquela cidade, mas do modo que se deve entender assim era: ou porque sendo estas duas cidades do arcebispado em tempo que esta pertencia àquela diocese duas outra cidade> se dizia ficar perto uma da outra ou porque o distrito desta confinava com o de Braga e hoje se pode dizer o mesmo pela sua comarca, pois unicamente seis léguas dista Ruivães de Braga e neste sentido diz também Faria na Europ., tom. 3, part. 3, cap. 11, n.º 236, fol. 209, que Bragança ou Juliobriga ficava perto de Braga, tomando as terras do seu domínio pela mesma cidade.
E que o desta em muitos séculos compreendia toda a província ultramontana se manifesta da sua grande antiguidade e se foi dividindo o seu distrito nas muitas vilas que em diversos tempos se fundaram, que se podem ver em Carvalho, Corograph., tom 1, Livr. 2 e Mendes Silva na Povoação de Hespanha. E ainda em tempo dos reis D. Afonso II e Sancho II se estendia a sua jurisdição de Miranda até Montenegro, como mostrei no “Catálogo dos alcaides-mores” em D. Fernando Fernandes, n.º 5, “Tenente Bragancia et Miranda et Montinegro”, incluindo no seu distrito o que hoje é da cidade de Miranda e vilas da Bemposta, Vimioso, Vinhais, Chacim, Mirandela e outras muitas que hoje estão fora da sua comarca.
E sendo o corpo do distrito tão dilatado, bem podia ser a cabeça ou cidade muito numerosa e com certeza se afirma, se entendia até à Fonte da Seara, de que hoje dista meia légua para a parte do oriente. E das Portas do Sol descia uma rua pela fonte do alcaide que se avizinhava ao rio Sabor e de outra parte formava um bairro nas Carvas. E por onde hoje é a cerca do Mosteiro de Santa Escolástica havia outra rua que se dilatava até à Fonte da Trejinha  para a parte do Norte. E naquele vale se comunicava com outro bairro e havia mais três, um em Britelo, Vale de Álvaro, e o dos Cortinheiros, da outra parte da ribeira de S. Jorge. E não é só tradição, mas consta de alguns papéis do arquivo da Câmara e de uma escritura de composição com esta cidade e moradores do distrito, feita em o ano de 1461, pela qual se mostra se eximiam os moradores que ainda havia em alguns bairros dos encargos a que estão obrigados os mais do distrito como é a limpeza da cidade, pagar oitavas que é uma das rendas da Câmara, e a renda das sacadas que são os direitos reais.
E os moradores desta cidade não pagam, porque só os do distrito têm a imposição.
Advertência: A renda das sacadas pertence à Casa de Bragança e anda unida às do almoxarifado desta cidade. Esta renda são os direitos reais que os lugares do termo são obrigados pagar, porque esta cidade é isenta de pagar este direito.
Teve princípio em tempo de el-Rei D. Afonso III, porque sendo os moradores do termo desta cidade obrigados a sustentar um rico-homem, para se livrarem desta obrigação, ofereceram a el-Rei pagar-lhe todos os anos dois mil maravedis, a saber, mil dia de Páscoa e mil por dia de S. Martinho. E lhe deu foral que declara tudo isto, dado na aldeia de Santo Estêvão da vila de Chaves, no mês de Maio da era de 1291, que é o ano de 1253. Importa os dois mil maravedis [em] 97$200 e é o preço por que se arremata esta renda, sem acrescer nem diminuir coisa alguma e se arremata sem exceder a quantia de vinte réis por fogo, antes se dá a quem por menos do vintém se obriga a receber estes direitos das sacadas, cujo nome se deduz do verbo antigo “sacar”, isto é, tirar fora pela obrigação do que se eximiram do rico-homem.
Mas já neste tempo se achavam estes bairros desmembrados do corpo da cidade e com tão pouca vizinhança que se nomeiam por aldeias e pardieiros, razão por que os moradores do distrito não sofriam que gozassem do foro da cidade. E hoje nem vestígios se conhecem do que foi, mais que uma fonte de pedraria que uma inundação há poucos anos descobriu em Vale de Álvaro. E na cerca do Mosteiro de Santa Escolástica, com a tradição de que naquele sítio havia outra fonte, deram com o manancial e descobriram pedras lavradas e uma de sepultura do tempo dos romanos, de que ainda farei lembrança.
Também nas guerras da feliz aclamação se demoliram cinco ruas inteiramente, sendo as principais a Rua Bragança e a dos Prateiros, que eram as mais povoadas daquele tempo, umas para fazer esplanada ao castelo e outras para continuar a fortificação. E sem dúvida foi em tempos antigos cidade muito populosa, mas as ruínas que por muitas vezes padeceu a reduziram a seus princípios.
El-Rei D. Sancho I, no foral que lhe deu, chama indiferentemente cidade e vila pelo que foi e pelo que representava. E com este último título se satisfez, até que D. Afonso V lhe restituiu o de cidade que tem voto em cortes. E de trinta anos a esta parte se tem aumentado em moradores e tendo em aquele tempo quando muito seiscentos, hoje completa o número de mil. Agora fica fácil de entender a tradição de que nesta cidade e seu distrito constava a fábrica da seda de cinco mil teares, mas não só esta se atenuou, mas também o tempo deixou sepultada a memória de algumas igrejas e outros edifícios que agora serviria para prova da sua grandeza, mas direi a que ainda nos ficou.

Memórias de Bragança
Publicação da C.M.B.

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