quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Memórias Orais//Emília Trigo

“A vida em Ligares era estar em casa à espera que minha mãe me trouxesse algum bocadinho de pão que ela era crivalheira de um moleiro do povo, uma dava-lhe uma coisa, outra dava-lhe a outra, quando ia pra casa, levava o regacinho cheio pra nos encher a barriga”

O peso da solidão faz com que raramente sorria. Os 83 anos começam a cansá-la, assim como a conformidade de saber que voltar à sua casa para quando chegar “o dia”, não é mais uma realidade. Emília Trigo vive no Lar de Freixo de Espada à Cinta, é lá que a solidão parece mais pequena e por vezes até esquecida. A infelicidade de um acidente levou-a para ali, para a dependência que nunca quis. Num ano, viu-se a deixar a sua casa e o trabalho que ainda ia fazendo, mas a maior mágoa é não estar perto dos seus. “Tenho dois filhos, um filho e uma filha. O meu filho foi pra Lisboa, casou lá e lá ficou, desde que vim prá’qui nunca mais o voltei a ver. E a minha filha casou ali na Barca e é com quem me tenho encontrado”. Uma vez por mês filha e neta visitam Emília mas o tempo é sempre pequeno.

Na vida, foi pastora, com o marido, ofício que lhe permitiu fazer a casa que foi sua durante mais de 40 anos. “Era uma vidinha de trabalho, porque chovesse, que nevasse tínhamos que sair sempre; tínhamos que ir abrir a porta que o gadinho não podia estar lá todo o dia (...)”. O rendimento procurava-o na venda do que a terra e os animais davam, e sempre foi respeitada pela freguesia, “vendia muito queijo na Barca porque nesse tempo havia comboio e vinha pessoal prá li prá Barca e já sabiam a minha casa e levavam-me muito, cada vez que eles vinham tinham sempre aquela remessa pra cada um, vendia muito pra levarem no comboio pra baixo e prá Espanha, ia pra todos os lados”.


No seu trabalho confessa que tinha dias de tudo, de boa vida e de trabalho mas o dinheiro chegava pra tudo, para a “comidinha”, não para enriquecer, diz, e sem precisar de ninguém. Não estudou, tinha que ajudar a criar os “mais pequenos” em casa. Nos dias que agora passam a ajuda sempre vem, mas não de quem ela espera. Ainda criou um sobrinho mas as palavras que chegam dele também são poucas. “Apanham-se criados com a vida governada e pobre de quem fica metida nos trabalhos, que passei tanto com ele, cheguei a ir buscar o leite a uma quinta numa burrinha e levá-lo tapado com um cobertor arrematado com uma corda, pra que não me caísse da burrinha a baixo”. 


A vida foi triste, admite, e a sua maior escuridão, a que “nunca lhe passa”, foi ter-lhe levado um neto cedo demais. E é essa mágoa que nunca contém. E a de ter deixado a casa. Sempre a sua casa. Ali é onde está o seu trabalho e o do marido, que já partiu. “Era e é uma casa muito linda. Na parede da frente tem um Santo António na parte de cima da porta, toda pintadinha a cor de rosa, era linda mas os anos passam-se e não podemos esperar por mais nada, lá ficou prós filhos”. Ali onde se ergueu grande parte da sua história, tem sempre vontade de voltar. Na sua casa, apesar de só, é quando volta a ser quem sempre foi. É só ali que a solidão parece sempre tornar-se mais pequena. 



Joana Vargas

Gabinete de Comunicação da CM de Freixo de Espada à Cinta

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