quarta-feira, 21 de setembro de 2016

A Senhora do Bálsamo na Mão

Versão A:

É tradição que, no lugar onde hoje está o convento [de Balsamão, junto a Chacim, concelho de Macedo de Cavaleiros] existira, no IX ou X século, o castelo de um rei mouro, o qual entre outras opressões que fazia aos seus vassalos cristãos, era uma (de certo a pior) possuir todas as noivas, no primeiro dia do seu casamento.
Um habitante da vila de Alfândega da Fé, ao qual chegou a vez de ser noivo, não esteve pelos autos, e, proclamando aos seus patrícios, se revoltaram contra o tirano. Sabendo o tal rei desta conspiração, veio esperar os rebeldes nos campos de Chacim e aí se deu um renhido combate, em que os cristãos, por serem muito menos do que os mouros, iam de vencida; porém, Nossa Senhora lhes apareceu e, com um vaso de bálsamo na mão, lhes curava todas as feridas e dava novo alento, pelo que eles venceram os mouros, matando o rei e quase todos os seus. Depois foram ao castelo e o arrasaram.
Em memória disto e em acção de graças a Nossa Senhora, edificaram uma capela no sítio onde tinha sido o castelo e lhe deram a invocação de Nossa Senhora do Bálsamo na Mão (e lá está a Senhora com uma ânfora ou vaso na mão) e a que o povo por abreviatura chama Nossa Senhora de Balsamão.
A ermida foi depois ampliada e é hoje uma igreja, sob a mesma invocação. Faz-se- lhe anualmente uma grande romaria no domingo de Pascoela, conhecida pelo nome de Festa de Cara Mouro, porque Nossa Senhora, animando os cristãos na tal batalha, lhes dizia: Cara aos mouros!21. (...) E ao sítio onde teve lugar a batalha, que degenerou em chacina, se deu o nome de Chacim.

(21) A expressão “Cara aos mouros” como base de justificações etiológicas ou toponímicas é igualmente referenciada noutros pontos do país. Serve, por exemplo, para explicar uma origem mítica da povoação de Caramós, no concelho de Felgueiras. De facto, segundo a tradição popular, no sítio onde hoje existe esta povoação teve em tempos o conde D. Nuno Mendes uma grande batalha com mouros, na qual – diz Pinho Leal –, “oprimidos os cristãos com o grande número de inimigos, lhe viraram as costas e fugiram.

Versão B:

Uma das lendas mais consistentes que se ouvem sobre o Monte Carrascal é a de Nossa Senhora de Balsamão. Segundo o que nos foi relatado pelos Padres Marianos, nos tempos de D. Afonso Henriques(22) erguia-se no Monte Carrascal uma fortaleza mourisca, de onde um poderoso e desalmado sultão explorava vergonhosamente os cristãos com os mais desumanos impostos, entre os quais figurava o animalesco “Tributo das Donzelas”.
Os cristãos viviam um dia a dia desesperado, à espera de ocasião para sacudirem o jugo sarraceno. O golpe seria dado logo após o casamento do esbelto Casimiro(23), filho do ousado chefe dos Cavaleiros das Esporas Douradas(24), de Alfândega, com a encantadora Teolinda, filha única do mais aguerrido adversário do emir, natural de Castro [Castro Vicente].
Numa manhã quente de Julho, saía o cortejo nupcial da igreja de Castro e encaminhava-se para a casa da noiva, quando, subitamente, irrompem os soldados do emir e raptam Teolinda, lançando por terra o noivo. Os sinos do povo tocam logo a rebate, são enviados emissários aos povoados vizinhos, e dali a pouco eis que no horizonte surgem os Cavaleiros das Esporas Douradas dispostos a fazer justiça. O combate dá-se no Monte Carrascal e os cristãos sofrem pesadas baixas. É então que, no campo de batalha, aparece uma mulher, vestida de branco, trazendo um vaso de bálsamo numa mão e um ramo de flores na outra. A misteriosa mulher limpa as feridas aos cristãos, deposita nelas um pouco de bálsamo e desaparece. Então os cristãos adquirem novas forças e ganham a batalha. A partir daí o povo passou a venerar a Senhora de Bálsamão (bálsamo na mão).
Debalde D. Nuno empregou todos os meios para conter os seus; mas quando as coisas estavam neste estado, eis que aparece S. Martinho, montado em um cavalo branco, armado de uma formidável lança, espetando com ela mouros sem dó nem piedade, e gritando aos cristãos: – Cara aos mouros! Cara aos Mouros! Outros dizem que foi o conde que gritou: – Cara aos mouros! Cara aos mouros, que S. Martinho é connosco! Os portugueses, vendo que o santo era por eles, viraram a cara aos mouros valorosamente e os puseram em completa derrota. (...) É de Cara aos Mouros que procede, por abreviatura, Caramós” (Leal, 1873: 100-101)

(22) Assinale-se a incoerência histórico-temporal das duas versões: na primeira os factos são situados entre os séculos IX e X e na segunda refere-se os “tempos de D. Afonso Henriques” (portanto, no séc. XI).
(23) Não será por acaso o nome Casimiro, nesta versão “alimentada” pelos Padres Marianos, que administram o mosteiro de Balsamão. Na verdade, é o nome do fundador da congregação: Frei Casimiro Wysynski, nascido na Polónia, em 1700, e falecido naquele mosteiro, em 1755, sendo ainda hoje conhecido como o “Santo Polaco”.
(24) Os Cavaleiros das Esporas Douradas são referenciados na tradição transmontana como uma espécie de legião, constituída por cerca de quarenta homens, que, há muitos séculos atrás, teria a incumbência de zelar pela segurança das populações, a partir de um castelo da zona onde estaria aquartelada. Estes cavaleiros, segundo alguns autores, embora não tivessem nobreza herdada, e tivessem sido anteriormente simples peões, gozavam de vários privilégios, um dos quais era não pagar “jugada” (contribuição em vigor). Segundo Viterbo, “não só em pinturas se tem visto, mas ainda dentro de sepulturas se tem achado, esporas douradas e que sem dúvida faziam a distinção destes cavaleiros” (apud Pereira, 1908: 56).

Versão C:

No monte Carrascal, no concelho de Macedo de Cavaleiros, havia uma grande mesquita e perto dela estava o castelo de um rei mouro que governava uma grande área à volta. Este rei era muito mau, obrigando os cristãos a pagar pesados tributos, e caso a tal se recusassem, mandava cortar-lhes os braços. Um desses tributos era o de possuir todas as noivas na noite do casamento.
Um dia, um jovem cristão que morava onde hoje se chama Alfândega da Fé, ao casar com uma bela rapariga da sua terra, resolveu opor-se ao tributo, e, para isso, na noite do casamento envergou ele o vestido de noiva, cobriu a cabeça com um véu, e foi ter ao castelo em lugar dela.
Ao chegar aos aposentos do rei mouro, este retirou-lhe o véu, e qual não é o seu espanto ao ver que tinha sido enganado. Ficou furioso e gritou pelos seus guardas. Mas nada mais pôde fazer. O jovem, que trazia um punhal escondido, espetou-lho no coração, matando-o.
Aos seus gritos acudiram todos os mouros do castelo e o jovem cristão só teve tempo de despir o vestido de noiva e saltar por uma das janelas, fugindo pelo monte Carrascal abaixo, com os mouros na sua perseguição. Entretanto, alguns amigos, vizinhos e familiares seus, incluindo a noiva, vinham de Alfândega da Fé para lhe acudirem.
Deu-se então o encontro e houve grande luta entre eles. Só que as hipóteses dos cristãos se salvarem era poucas, pois os mouros eram muitos. De repente, segundo conta o povo, a noiva ajoelhou-se e pediu socorro a Nossa Senhora. E assim, quando os cristãos estavam já quase vencidos, ganharam novo ânimo, mais coragem, mais força, e venceram os mouros. Estes fugiram e deixaram as armas.
Diz o povo que houve quem visse, no meio da batalha, o vulto de uma mulher desconhecida, com um vasilha de bálsamo e umas folhas na mão esfregando as feridas dos cristãos. E que estes, depois disso, ficavam curados e se erguiam para combater de novo. Dizem que era Nossa Senhora. Primeiro chamaram-lhe a Senhora do Bálsamo na Mão e hoje é conhecida como Nossa Senhora de Balsamão. E tem lá um importante santuário.

Fonte – Versão A: LEAL, Pinho – Portugal Antigo e Moderno, vol. 2, Lisboa, Livraria Editora de Mattos Moreira & Companhia, 1873, p. 265. 
Fonte – versão B: PARAFITA, Alexandre – “A Imponência do Monte Carrascal – Acontece em Balsamão: Fé e Turismo de mãos dadas”, in O Comércio do Porto, 29 de Junho de 1982, p. 21.
Fonte – versão C: Inf.: Mabilde da Conceição Afonso, 47 anos: rec.: Macedo de Cavaleiros, 2009.

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