segunda-feira, 17 de julho de 2017

O SIMÃO BILU: UMA ISTÓRIA LÁ DOS SERTÃO DO BRASIL - Crónica do Brasil

Brasil: Cena Rural Típica Da Sede De Uma Fazenda De Café No Fim Do Século XIX


As coisa num ia bem! Sór brabo pra mais de quatro mêis. Lá nos piquete, o gado magricela e os matungo, era só pele e osso. Até no córgo do brejão, já se via os efeito da estiage. No poção, bem na curva do córgo, adonde as traíra vão tomá sór e os lambari de rabo vermêio e os tambiú acudia aos magote até quando uma fôia caía nágua, era só desolação!
Tudo o que as vista arcança e vê agora é aquele mundão de meu Deus de pêxe boiano; tudo de barriga pra cima, puxano o fôrgo, sem ar. Arguma coisa o cão fez pra ficá assim! Ieu era um bacurim e vi isso tudo. Ieu táva dijunto cum a minha mãe e as cumadre dela e mais um mundão de criança e muié dos colonho da fazenda. Nóis tudo carregava uma garrafa dágua cada um.
Nóis tava numa porcissão pra São Pedro fazê chovê, rezano e cantano uns hino.
...«Nossa Senhora saiu/cum seu manto na cabeça/Nossa Senhora saiu/Cum seu manto na cabeça/O manto dela caiu/Bem na rua da tristeza/ A seca tá muito grande/Chuva Deus num qué mandá/A seca ta muito grande/Chuva Deus num qué mandá/Manda as chuva que nos móia/Nem si fô pra consolá »...
E nóis seguia as estrada de terra batida, os carreadô, as senda. Tudo quanto era Santa Cruz das estrada nóis parava, rezava dez Ave-Maria e Deiz Padre-Nosso e cantava os hino. Quanto acabava, despejava um pôco da água da garrafa em cima da santa cruz.
Era nosso desejo que Deus mandasse chuva; e que São Pedro ajudasse. Me alembro que numa dessas ocasião, tarveis devido a sêca, cumeçô uma epidemia de tifo. E o tifo espaiô mais que rastío de pórva.
Naquêis tempo, os remédio era feito nas própria farmácia. E era tanta gente cum tifo, que o farmacêutico num conseguia de dá conta, de tanto remédio pra fazê!
Cuma ieu tava dizeno proceis, a seca naquela ocasião tava dimais da conta. Nóis rezava pra São Pedro fazê chovê, pruquê a estiage era grande e a percisão era muita! I, pra num dizê que num inziste uma sem dois nem dois sem trêis; veio a onda de tifo, que ieu já falei. Naquele tempo, nóis da roça ficava muito longe da cidade i num tinha condução pra levá a gente numa hora de percisão, das emergência de doença. Naquelas parage, só tinha dois médico dotô que pudia atendê nóis.
Na verdade um dêis só ficava na cidade (ele era cheio de bosta de galinha); o ôtro, bão que nem um pedaço de pão, atendia nóis direto nas fazenda. I quage num cobrava de ninguém; noís dava um leitãozinho, uma galinha gorda, uma réstia de áio, um pé de mandioca e anssim por diante. Esse dotô bonzinho ia sempre na minha casa pra mode filá bóia, mai nóis tudo gostava dele, principarmente pruquê ele era dotô, mai era simpres; simpres e de bom coração!
Me alembro que nessa ocasião, esse médico apareceu lá na fazenda, pra mode assuntá si o povo tinha cuntraído tifo. Pra isso ele visitava as casa da colonha. Ieu fui dijunto cum o dotô e meu pai, visitá o Simão Bilu, que tava duente. O Simão Bilu trimía de frio! O corpo dêle táva quente que nem tição e sentia pisadêra i dôr; muita dôr! O dotô disse que ele táva entrano em “cuma”. Num sabia o quê era cuma; mais fiquei assuntano: achava que era os estrimilique da morte! !!!! O dotô abriu a mala e pegô uns vidro cum uns pózim colorido e pois encima da mesa. Passô arco na mesa da sala e forrô cum esparadrapo. Em cima do esparadrapo pois um pratinho donde misturô uns poquim dum e do ôtro. Ele disse pro meu pai que era um purgante forte, que ele ia intentá sarvá o Simão Bilu. O dotô chamô Sá Luciane pra espricá que o remédio tinha mercúrio. Deu o remédio pro Simão Bilu: dispois de uma meia hora, o Simão Bilu abriu os zóio! O dotô falô pra ele drumí. I ele drumiu mêmo! O dotô avisô Sá Luciane que quando o Simão acordasse, désse cumida prêle, mai tinha uma coisa: - num pudia dá sár prêle, de jeito e manêra!
-Nada de sal, entendeu Sá Luciane?
–Intendí, disse ela!
Aí o dotô lavô as mão cum sabão de soda e dispois dispejô árco na mão e abanô a mão, pra móde secá.
Cafezal
Logo que saímo da casa do Simão Bilu, o dotô falô pro meu pai que us remédio do Simão Bilu devia de dá resurtado i que ele ia ficá bão logo. Meu pai preguntô sobre o caso de num dá sár na cumida do Simão Bilu. O dotô espricô que o sár fervia quando misturasse cum mercúrio da receita do purgante, adonde formava um veneno, que matava até cavalo!
Dispois que saímo da casa do Simão Bilu, nóis fumo percorrê a colonha de casa em casa, pra móde vê se tinha mais arguém duente. Filismente num tinha! Adispois, o dotô foi armoçá cum nóis. Quando acabemo de chegá em casa, minha mãe já cumeçô a pô a mesa do armoço. Curioso, ieu vortei na colonha enquanto que o dotô i meu pai armoçava e vi que o Simão Bilu tinha miorado tanto, que tava até tocano o pandero africano que ele tinha. Vortei em casa numa vula i falei isso pro dotô.
O dotô ficô feliz da vida cum a notiça! Mai, logo que acabemo de armoçá, chegô um moleque da colonha, meu amigo. Ele chamô o dotô i foi logo dizeno que o Simão Bilu tinha morrido! Saímo nóis trêis mais o moleque, na maió vula, i fumo correno direto pra casa do Simão Bilu, que agora táva cheia de gente triste! Quando cheguemo, o dotô preguntô pra Sá Luciene:
-A senhora deu comida sem sal para ele, não deu?
-Num regulei de dá sár ninhum, disse a Sá Luciene. Só ponhei uma pontinha de cavo de cuié no macarrão do pobre. Foi só um tiquinho, que nem carecia de tê dado!
cafeeiro carregado com grãos maduros
Do zóio do dotô e do meu pai caíro as lágrima. Os dois se oiaram e me chamaram pra saí dali cum eis. As carpidera i a tiradêra de terço, iam dá o úrtimo banho no Simão Bilu. Ainda escuitei o dotô falano pro meu pai que sentia muito que a medicina tava tão atrasada; que num inzistia remédio pro tifo. Do meu pai escuitei u contraponto:
-Dotô, cum atraso ô cum avanço da medicina, o que mais me entristece é que a medicina não cura a inguinorânça do povo!
-Ieu, ACAS, levei uns trinta ano pra intendê o quê meu pai quis dizê!


Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. Nascido em julho de 1946, é natural da zona rural de Cravinhos-SP (Brasil). Nascido e criado numa fazenda de café; vive na cidade de São Paulo (Brasil), desde os 13. Formou-se em Física, trabalhou até recentemente no ramo de engenharia, especialista em equipamentos petroquímicos.  É escritor amador diletante, cronista, poeta, contista e pesquisador do dialeto “Caipirês”. Tem textos publicados em 8 livros, sendo 4 “solos” e quatro em antologias, junto com outros escritores amadores brasileiros. São seus livros: “Pequeno Dicionário de Caipirês (recém reciclado e aguardando interesse de editoras), o livro infantil “A Sementinha”, um livro de contos, poesias e crônicas “Fragmentos” e o romance infanto-juvenil “Y2K: samba lelê”. 

Sem comentários:

Enviar um comentário