terça-feira, 15 de março de 2022

"A Louca"

Por: Paula Freire
(colaboradora do Memórias...e outras coisas...)


A louca, quem é?
Dizem os de mais idade
que é mais velha
do que as seculares árvores do bosque!
Mas quem é, ninguém sabe.
Dizem, aqueles que a vêm passar
com os cabelos
desgrenhados ao vento,
que foi formosa
e teve filhos;
que homens a adoraram,
que mulheres a invejaram
e que a amaldiçoou o destino.

Dizem, aqueles que a vêm passar
bramindo as desventuras 
da sua errante vida,
que a sorte lhe faltou
e a morte lhe levou
aqueles que mais amava,
que as mágoas a cegaram
e o coração lhe fecharam.

Dizem, aqueles que a vêm passar
com os farrapos a arrastar
a imundície terrena,
que no mundo ela vive
desconhecendo dor ou saudade,
que os loucos não têm 
coração nem maldade,
que os loucos não crêem
nos sorrisos do Demo
nem na ira do Senhor, 
que os loucos não temem
o punhal da verdade.

Digo eu,
que descortino um secreto riso
naqueles lábios de defunto,
que a loucura é triste
mas a felicidade é dos loucos;
porque aquela louca
vive as loucuras
que os outros sonham.
Porque aquela louca
vive sem decoro
as vergonhas que os outros sentem.

Porque aquela louca
percorre as distâncias
que o mundo abandonou,
acalenta as esperanças
que o mundo matou.

A louca, quem é?
Ninguém o sabe,
nem mesmo a pobre infeliz.
Mas dizem os de mais idade
que ela ainda vive!
Pois eu digo também:
que a louca
é o salto no desconhecido
do espaço infinito
que o Deus vivente criou;
que a louca
é a imagem imortal
da face oculta do Homem
no outro lado do Espelho,
que a humanidade negou.


Paula Freire
- Psicologia de formação, fotografia e arte de coração.

Com o pensamento no papel, segue as palavras de Alberto Caeiro, 'a espantosa realidade das coisas é a minha descoberta de todos os dias'.

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