quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Mármores e Alabastros de Santo Adrião

Os jazigos de mármore e de alabastro de Santo Adrião, assim chamados do ponto onde predominam, estendem-se numa área superior a seis quilómetros pelos concelhos de Vimioso e Miranda do Douro, desde um quilómetro a Noroeste daquela vila, onde há alguns fornos de cal, e seguem pelos montes da Abelheira e do Pedriço até próximo da aldeia de S. Pedro da Silva. Francisco Cardoso Pinto, de Bragança, foi o primeiro que os explorou e tornou conhecidos, se bem que no tempo antigo, provavelmente no romano, foram superficialmente explorados, a julgar pelos vestígios que restam de trabalhos e até por ferramentas encontradas.
O seu principal afloramento é no monte de Ferreiros; perto da capela da Senhora do Rosário, limitado a Norte e Sul pelos ribeiros do Geraldes e da quinta de Santo Adrião, que, reunidos, entram na ribeira de Ferreiros, afluente da de Angueira.
«A parte culminante do monte de Ferreiros é constituida por um granito grosseiro de duas micas, onde assenta a capella da Senhora do Rosario, o qual se estende para norte e para leste, formando uma mancha, cujo limite occidental se dirige de Villar Sêcco para noroeste, passando a meia legua proximamente ao nascente de Vimioso. Esta erupção granitica fez-se atravez das rochas schistosas do systema siluriano, as quais tem subordinadas várias massas lenticulares de calcareo […].
Os calcareos são crystallinos, em partes finamente granulares,… tem a côr branca, mais ou menos pura, ou branca e cinzenta azulada ás manchas, ou, melhor, em raias; são sempre susceptiveis de bom polido, e as variedades mais claras, dotadas de certa translucidez, o que lhes dá aspecto muito agradavel e os torna muito proprios para serem empregados na ornamentação e decoração architectural.
Os marmores da assentada inferior, ou da faxa mais oriental e mais proxima do granito, são os mais puros. Comprehendem um marmore de côr branca nacarada,muito bello para ornamentação, talvez mesmo proprio para estatuária, o qual já foi lavrado, posto que superficialmente, em tempos remotissimos [...].
Se o marmore branco proximo da superficie do solo (onde até agora sómente tem sido explorado) não tem a textura tão uniforme e a côr tão pura como o marmore de Carrara de primeira qualidade, em compensação tem uma apreciavel qualidade – a translucidez – que julgo de altissimo valor, mórmente se este marmore puder ser aproveitado na estatuária, porque suavisa os contornos das peças que d’elle se talharem.
Os marmores da assentada superior, de côres mais escuras, geralmente de fundo cinzento azulado, sobretudo no tecto da assentada, são os que formam o mais vasto jazigo e se seguem em maior extensão; encerram, além d’isso, numerosas grutas, algumas já reconhecidas, no pavimento das quaes se descobriram possantes massas de alabastro calcareo.
Como estes marmores não tem uma côr uniforme, mas são manchados irregularmente, apresentam aspectos diversos conforme o sentido em que são cortados, ou paralelamente á estratificação ou perpendicularmente a ella […].
O alabastro […] foi depositado pela agua que circulava pelas fendas e algares do calcareo, depois que formadas as grutas que o cortam […].
O alabastro calcareo é verdadeiramente um calcareo concrecionado, stalagmitico, formado de camadas successivas, onduladas, concentricas, que, segundo o córte, se desenham na superficie com aspectos variados e mui bellos! É branco, branco-nebuloso ou ligeiramente amarellado, muito translucido, manchado, ou, melhor, ondeado de amarello em diversos tons, e algumas vezes zonado em listas concentricas das mesmas côres, que é de todos o mais bello […].
Todavia, embora consideremos vastissima a extensão que os alabastros occupam, de nenhum modo formam jazigos tão extensos como os dos marmores em que são contidos, os quaes, no sentido industrial, podem considerar-se inexgotaveis. Representam elles, com tudo, pela variedade de aspectos, pela sua incontestavel belleza, e também pela sua relativa abundancia, a principal riqueza do jazigo, tendo sido agora que pela primeira vez se descobriram em Portugal, pelo menos em quantidade bastante para exploração industrial».
Estes jazigos de mármore de alabastro, devido à sua vantajosa disposição, são de fácil exploração, não assim quanto ao transporte por causa da falta de estradas.
As grutas são quatro, conhecidas pelos nomes de Gruta dos Ferreiros ou Buraco dos Ferreiros, Gruta Grande, Gruta da Ribeira e Gruta do Geraldes, que provavelmente nos tempos antigos se comunicaram em enorme caverna.
No entulho da primeira, apareceram cacos de louça grosseira em grande quantidade, fabricada à mão, negra, lisa ou ornamentada singelamente na superfície, um furador de osso, uma ponta de seta e um machado em forma de cunha, ambos de bronze, um crânio humano e fragmentos de outros e mais ossos humanos. É, pois, evidente que a gruta foi habitada ou serviu de sepultura.
Como a gruta tem algumas centenas de metros de superfície e nem toda foi explorada, é provável que mais documentos arqueológicos apareçam.
A gruta Grande é assombrosa pela sua magnitude e pelos efeitos surpreendentes de beleza que a luz, esbatendo-se no alabastro, produz. Nos entulhos dela encontraram-se ossos de animais (cabra ou carneiro, coelho, etc.), e também alguns ossos humanos, «que provavelmente pertenciam a um esqueleto, cuja parte principal estava incrustada no manto stalagmitico a pequena distancia, achando-se o craneo separado dos ossos do tronco».
Cacos de cerâmica idênticos à da anterior abundavam também nesta, junto dos restos humanos e «permittem referir estes a uma epocha prehistorica, que provavelmente será a neolithica».
Na gruta da Ribeira, os ossos e dentes de animais (cavalo, boi, etc.) abundavam, aparecendo, além disso, mais duas pontas de seta de quartzo hialino, algumas lascas desta substância e de sílex, mostrando tudo a sua habitabilidade pelo homem.
Além das quatro grutas referidas, há vestígios de outras no prolongamento da faixa de mármores para S. Pedro da Silva.
No monte do Pedriço, a uma légua de Caçarelhos, nas fendas do mármore, acharam-se dois machados polidos de anfibolite e ossadas de dois esqueletos humanos, incompletos. Soltos, à superfície do solo, encontraram-se «duas mós imperfeitas de granito partidas de cincoenta centimetros ou mais de diametro, excavadas só n’uma das faces, como se tivessem servido para se triturarem sobre ellas substancias duras com a acção de uma moleta ou pilão.
Os restos humanos obtidos nestas primeiras pesquizas pertencem a um pequeno numero de individuos, e acham-se em geral muito deteriorados para se prestarem a um estudo anthropologico rigoroso. Entretanto, a simples inspecção do craneo melhor conservado, e a de outro craneo mais incompleto comprehendendo só o frontal, os parietaes e o occipital, permittem reconhecer-se um typo dolicocephalo, análogo ao que predomina nos craneos das estações neolithicas da Extremadura. Á analogia dos typos cephalicos ha que acrescentar outros caracteres communs observaveis nos ossos longos, como são a saliencia da linha áspera dos femures e a platycnemia das tíbias.
Estes indicios levam-nos a crêr que na epocha prehistorica a que alludo, uma mesma raça, ou, melhor antes, uma população, apresentando bastantes caracteres anthropologicos communs, se extendia desde a região central até o extremo septentrional do nosso país».

Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança

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