terça-feira, 21 de novembro de 2017

ÁGUA MOLE... O MEU JARDIM (2)

Não me tendo sido possível concluir a última crónica dentro do limite dos três mil e quinhentos carateres da norma, peço ao vereador a quem me dirigi um pouco mais paciência de modo a poder acrescentar alguns itens ao que lá propus.
Entendo que a autarquia veja vantagens em contratar empresas privadas tendo em conta que, nos tempos que correm, sempre é melhor entregar as coisas a profissionais. A chatice é que, lamentavelmente, no meio destes há muitos amadores. Se o fossem no sentido original do termo, que aponta no fundo para a ideia de amar, cuidar, zelar, acarinhar, seria ótimo, tal como o seria a utopia de ver um país inteiro entregue a esta classe de pessoas. Mas em muito do que tenho visto por aí trata-se de amadorismo na aceção mais vulgar, isto é, de inépcia, desleixo, falta de zelo, estar-se-nas-tintas que por vezes, para piorar a coisa, se misturam com estupidez.
Deixe-me só concretizar com alguns exemplos. Na braguinha, de que já falei, tenho reparado que em todas as primaveras se replantam os exemplares que por alguma razão não vingaram, o que é excelente. Entretanto, sempre que aparam o relvado passam também com motorroçadoras para cortar as ervas que crescem junto ao tronco das árvores, onde os corta-relvas não chegam. Acontece que, como esse trabalho é geralmente feito de forma descuidada, o fio daquelas máquinas (que como sabe roda a alta velocidade) desfaz-lhes a casca no fundo, a toda a volta, de forma que quem devia cuidar delas as assassina sem apelo, sobretudo as mais jovens. Entretanto, e sem que ninguém pareça dar-se conta daquele pormenor, voltam a ser replantadas, como disse, repetindo-se o processo ciclicamente pelo menos há uma boa dúzia de anos.
Um dia dei-me ao trabalho de descer e tentar explicar o processo, in loco, a uma senhora engenheira que supervisionava. Olhou para mim como olharia para um homúnculo verde com antenas, tendo eu tido o agudo pressentimento de que a técnica dizia para os seus botões: “E este cromo agora!?… De onde é que me saiu!?...” Nisto, como em tudo, ou se fazem as coisas por gosto, existem princípios, fios condutores, finalidades que nos orientam, ou então anda-se à deriva e tudo é possível. Se não, faça o favor de me dizer: qual é a lógica, por exemplo, de arrancar agreiras já com uns anitos de idade para, exatamente no mesmo sítio, plantar outras agreiras? Pois garanto-lhe que isso já aconteceu no dito jardim. Ou então, de se fazerem podas apenas porque se está no tempo delas e há que cortar qualquer coisa, apesar de os cortes serem mais do que discutíveis? Pela minha parte, enviei várias vezes estas e outras questões para um endereço de correio eletrónico onde parece que os munícipes podem dar opiniões, colocar dúvidas, fazer sugestões. Mas como nunca obtive resposta repito aqui algumas, não leve a mal.
Sei bem que existem pessoas para quem tudo isto são bagatelas, pantominas, coisas de quem tem pouco com que se preocupar. Mas não. Com efeito, a maneira como lidamos com as partes espelha a nossa postura perante o todo, se é que tal separação é sequer pertinente: os pequenos descuidos, incompetências e erros revelam como cada um se posiciona na vida e no final, somados, fazem com que na globalidade esta venha a ser de facto descuidada, incompetente, errática. 
Está ciente, sem dúvida, de que nos últimos anos as tradicionais estações do ano estão desreguladas, que quando o outono já vai avançado temos temperaturas de verão, que quase não há invernos, que a chuva se faz mais rara, que as ondas de calor aumentam de frequência, que os fogos passaram a ser calamitosos. Pois as perturbações climáticas, e é afinal disso que se trata, resultam de pequenos gestos banais e rotineiros, de rituais quotidianos e inconscientes nascidos da nossa relação desajustada com o meio ambiente e que, multiplicados por vários milhares de milhões, acabaram por redundar numa realidade para lá de preocupante.
Talvez já ontem fosse tarde para acordarmos. Mas ainda assim gostaria de concluir fazendo votos para que os espaços verdes, sem deixarem de ser símbolo do que sempre foram, carreguem agora uma nova simbologia, a da união entre o carinho pelo que é nosso e o respeito pela biosfera em geral. O futuro, a sobrevivência, podem depender disso.



Eduardo Pires
in:jornalnordeste.com

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