quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Calças rotas

Calças rotas, a moda saloia
Quando, no final da década de sessenta, do século XX, se usaram as calças à boca-de-sino (hoje voltam à moda), o meu pai criticou-me por eu as usar. Dizia-me que a moda era redonda e voltava às calças largas. Na minha inexperiência, respondi-lhe que estava errado e que a moda não voltava atrás. Contrapôs-me que já as tinha havido no seu tempo de rapaz, ou seja nos anos vinte. Mais tarde, constatei que ele tinha razão. Razão tinha quase sempre, mesmo em assuntos da cultura e aprendi com os meus enganos a ouvi-lo mais e a seguir os seus concelhos.
Ultimamente, houve uma moda que me deu a volta à cabeça. A moda de uns tantos «idiotas» andarem com as calças no fundo do cu. Uma vez, em plena cidade de Braga, vi uma adolescente ou pré-adolescente negra, sentada numa parede, com as calças de ganga em que tinha dois terços das virilhas a descoberto, só cobrindo a fenda do «monte de Vénus». Outra vez, vi um adulto, junto ao muro do quartel do Regimento de Vila Real, com as cuecas à mostra e as calças no fundo do cu. Apontei para a cabeça e ele percebeu que o estava a classificar como um idiota. Ora, a moda das calças no fundo do cu foi baseada num código de comunicação dos presos americanos que, para arranjarem clientes, para darem ou apanharem, desciam as calças abaixo da cintura, mostrando um pouco das cuecas. Duvido que a maioria que aderiu a esta moda sexual tivesse a noção do que estava a propor.

Aqui vale o ditado:
«a moda não faz o monge, mas faz vê-lo ao longe».

Agora a moda é outra. Não mais a uma década da «perestroika» a leste, foi o suficiente para uns tantos oligarcas e mafiosos soviéticos deitarem mão à riqueza da nação russa. A sua ascendência meteórica foi tal que tiveram necessidade de inventarem umas tantas bizarrias. Por exemplo, forjarem origens de linhagem na nobreza czarista e afixam-na em local bem visível em casa para as visitas se impressionarem. Outros foram mais longe, para demonstrarem a sua opulência. Contrataram uma empresa turística que lhes proporcionava um fim-de-semana turístico num lugar paupérrimo. Diziam que queriam saber como era a pobreza na Rússia e senti-la, embora a tivesse deixado há escassos anos.
Por cá, temos, há mais de uma década, a moda das calças garnachadas. Uma vez, fui alertado para esta idiotice por um «segurança» de uma escola. Disse-me ele que uma menina andou a namorar umas calças novas ao pai e, quando lhas comprou, esta, antes de as estrear, fez-lhe uns rasgões e vestiu-as. O pai ao ver as calças novas naquele estado reprendeu-a e ao levantar a garoupa para ele, acabou por ficar com as bochechas bem aquecidas e a pôr as calças de lado.
A minha filha, quando me vem visitar, com o meu neto, com umas calças de ganga velhas e rasgadas levo-lhas à costureira para remendá-las. Ficam com um aspecto mais aceitável. Mas, infelizmente, a moda das calças rotas, ao que eu sei, começaram na minha aldeia e noutras rurais do concelho de Mirandela, na década de cinquenta. A minha mãe, de tempos a tempos, comprava-me umas calças de cotim novas para o dia-a-dia. Não demorava uma semana que não as rompesse, fosse a subir aos enormes sobreiros (aos ninhos), às figueiras aos figos, aos amieiros para deles me atirar de mergulho ao rio Rabaçal (o rio Tuela era olhado por todos com desconfiança e só da Barca para baixo nos sentíamos seguros).
Muitas vezes, era de extremos e além das calças e da camisa agarnachadas e que me valiam uma aquecedela do corpo magricela, com uma vara ou umas cordas, rasgava o peito, os braços ou um joelho. Quando fazia grandes rasgos no peito metia-me na cama, dizendo que estava cansado ou me doía a cabeça, à espera que o sangue deixasse de manchar a roupa.
Voltando à moda das calças rotas, acho que à grande maioria, já nos chega sermos pobres num país pobre, quanto mais apregoá-lo. Ver jovens e adultos pobres e remediados a apregoar a pobreza, não sei o que diga aos meus leitores! Acho que teria piada ver os poucos ricos de Portugal disfarçados de pobres ou talvez fosse uma afronta à nossa pobreza. Se calhar também deve ser moda ver gente nas bombas de gasolina, com grandes máquinas, meter cinco ou dez euros de combustível. Há pouco tempo vi um com um Porche, na Repsol, da rua das Longras, em Chaves, meter cinco euros de gasolina. Quantos metros andaria? Deve ser moda… Eu, numa condução defensiva, para bem do ambiente e da carteira, prefiro atestar o depósito e durante mil quilómetros não me preocupar mais.

"A moda das calças rotas", por Caseiro Marques, Notícias de Vila Real
Jorge Lage
in:atelier.arteazul.net

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