sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Dizeres e Ditos na Carta Gastronómica de Bragança

Diamantina dos Anjos Veiga
Sr.ª Dona Diamantina dos Anjos Veiga, 83 anos, vive em Bragança.
Tem onze filhos, dezoito netos, e um bisneto.
O marido emigrou para a Alemanha, sempre que vinha ficava um filho. Os filhos ao toque das Trindades tinham de estar em casa, se não estivessem levavam. O seu casamento não foi alegre, eram só os noivos e a família.
Comeram cordeiro conseguido à conta da venda de uma burra do seu marido. Bolos foram económicos e pão-de-ló feitos pela irmã. Dançaram ao som de um realejo.
O gado era a principal riqueza na sua aldeia (Babe). Tinham cabras, ovelhas e vacas.
Comiam-se cabritos com dois ou três meses.
Os cordeiros também se comiam, o mesmo acontecia às ovelhas. O leite servia para beber em casa. Não conheciam a manteiga, usavam o pingo. Só em duas ou três casas é que se fazia queijo. Na matança dos recos, matava-se também uma vaca que se dividia por dois ou três vizinhos, curando-se juntamente com os chouriços, sendo comida durante todo o ano. Coziam fornadas de pão centeio. Trigo mais para a matança. Mesmo nas casas ricas à noite comia-se caldo e castanhas.
As lentilhas tinham de ser colhidas antes de o sol bater na terra, utilizavam-nas para fazer caldo. Na feira comprava os ramos dos pimentos, plantavam-nos e depois de os colher conservava-os em cima dos montões de batatas, sempre em sítios frescos, nos baixos. Comiam todos do mesmo prato grande, bebiam todos do mesmo garrafão.
Andavam às amoras para as vender.
Os doentes eram tratados a galinha velha cozida, as novas não faziam tão boa sopa.
Aos meninos davam-se sopas de leite e pão, quando não tinham sopas de alho. Davam alhos a cheirar aos meninos no intuito de apaziguarem as lombrigas. Na desmama dos filhos dava-lhe leite de ovelha pelo biberão, depois comiam o mesmo que os adultos.
Comiam caldo de hortaliças, batatas e massa.
Chegou a matar três porcos. A vida era mais alegre e de maior convivência.


Domingos do Nascimento Gonçalves
Sr. Domingos do Nascimento Gonçalves68 anos, vive em Outeiro. Ia para a Escola, no regresso dividia uma sardinha por três. Compravam-se as sardinhas a troco de trigo ou centeio. Principiou a cortar barbas e cabelos aos 12 anos. O trabalho de barbeiro pagava-se anualmente com cereal, doze quilos por pessoa. A barba só uma vez por semana, sábado ou domingo, cabelo quando necessário, rara as vezes a carecada.
O comércio fazia-se para Argoselo, antes eles precisavam mais de nós por serem muitos.
Agora, é o contrário, aqui (Outeiro) não há nada. Não há quem trabalhe as vinhas, o vinho não tem saída, não há quem beba.



Domingos dos Santos Esteves
Sr. Domingos dos Santos Esteves88 anos, vive em Soutelo. Foi alfaiate, trabalhava de casa em casa, durante todo o ano. Aprendeu a arte em Meixedo. O alfaiate era o artista mais bem tratado da sociedade.
Fazia fatos de fioco, cheviote e pana, capotes de burel pardo, só para os pastores.
Os capotes eram muito pesados e maus para trabalhar. No dia-a-dia comia-se o que havia.
Nos dias de festa matava-se um cordeiro.
A grande festa era a matança. Nesse dia comia-se bem. Tratava bem os porcos, teve porcos com toucinho de treze centímetros de altura. Vendeu o quilo a 25$00, a arroba de batatas na altura custava 5$00. As casas possuidoras de centeio, batatas, porco e vinho
viviam bem. Não havia javalis, havia muitos coelhos e lebres. A caça vendia-se.
A Mãe fazia carvão na Serra de Montesinho e vendia-o em Bragança, de onde trazia tudo o que era necessário. Em Soutelo no seu tempo de rapaz havia dezassete ou dezoito rebanhos de ovelhas e dois ou três de cabras. Foi regedor e presidente da Junta de Freguesia.


Dona Emília dos Anjos Afonso
Sr.ª Dona Emília dos Anjos Afonso78 anos, vive em Bragança. Eram seis irmãos. O primeiro vestido de chita percal que vestiu foi quando fez a quarta classe e os sapatos vieram de Espanha. O que faltava era dinheiro. Sempre trabalhou na lida da casa e no campo. Mal saía da Escola ia atrás das vaquinhas e juntava folhas para se fazer estrume. Ou ripar folhas de negrilho para com farelos as dar aos porcos.
Comiam chícharos com carne da barriga do porco, picava-se a carne para render mais e faziam ensopado de feijão seco. O que sobrava guardavam na mosqueira.
Teve uma vida difícil, não a deixavam chegar à janela. Ao toque das Trindades todos se recolhiam. Casou com 17 anos, ela ficou em casa da Mãe, e o marido na casa do Pai. Encontravam-se aos domingos. O marido não podia abandonar a casa paterna, se o fizesse seria deserdado. Viveram assim durante doze anos, depois o marido largou a casa dos pais. Foi deserdado.
Nos dias de festa nada se fazia no pote.
Era tudo assado no forno, até o arroz.
Se a padinheira ficasse roxa, o forno estava quente. Nos Santos comiam-se castanhas
assadas e provava-se o vinho para ver se estava bom. Butelos não se comiam, os ossinhos com que se fazem os butelos guisavam-se com os miolos.
Nas romarias levavam-se merendas compostas por bifes de presunto, coelho estufado,
frango frito, presunto e salpicão. Comiam cuscos com leite. Rabões comiam-nos os porcos e as vacas. As rabas coziam-se com batatas e temperavam-se com azeite. O que mais se comia eram batatas, couve penca, toucinho e centeio.
Na morte não se cozinhava na casa de quem morreu, a não ser para os padres vindos de longe.
No dia do seu casamento comeram cordeiro, leitão e vitela, arroz-doce e leite-creme.

Carta Gastronómica de Bragança
Autor: Armando Fernandes
Foto: É parte integrante da publicação
Publicação da Câmara Municipal de Bragança

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