quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Sarracenos, reis asturo-leoneses na História do Distrito de Bragança

O domínio dos mouros na região pertencente ao distrito de Bragança deveu ser de curta duração, se bem que o onomástico acusa aqui a sua permanência, como em Alfajão, Arrifana, Babe, Baçal, Bagueixe, Couços, Mogadouro, Moás, Quirás, Soeira, lugares todos do distrito de Bragança, e Almansor, sítio no termo de Tinhela, deste bispado, derivados do árabe, e ainda outros como Guide, Atalaia, sítio no termo de Baçal, e talvez Sacoias.
Na tradição popular vive muito fresca a sua memória, mas é bem conhecida a tendência do povo para conglobar, num mesmo indivíduo ou entidade étnica, factos diversos sucedidos em épocas muito afastadas. E como os sarracenos foram os últimos invasores, a lenda lança sobre eles quanto seguramente pertence aos romanos, pois ao passo que daqueles nem os escritores, nem a arqueologia, acusam vestígios alguns no distrito de Bragança, excepção feita do onomástico e da numismática, e tudo isso pouco, destes são abundantíssimos, cobrem-no numa vasta rede da qual os castro-luso-romanos ou restos claros dessa civilização representam as malhas a menos de légua umas das outras.
E dizemos que deveu ser de curta duração, porque século e meio depois da invasão árabe, já vemos Ordonho I e seu filho Afonso III a povoarem as cidades que Afonso I ermara, o que indica posse relativamente pacífica, e entre elas fica a região bragançana.
Demais, meio século após a conquista sarracena, já Afonso I, numa série de algaras ousadas, tala vitoriosamente enorme extensão de terreno inimigo.
É verdade que, desde 976 a 1009 em que morreu, no tempo do califa Hisan II, o seu primeiro-ministro Muhammad ibn abi ’Amir teve em contínuo sobressalto os cristãos, pois, mandando publicar, com todo o fanatismo de que a alma dum muçulmano é susceptível, el-djihed (guerra santa), chegou a encurralar nas Astúrias a monarquia fundada pelos descendentes de Pelágio.
As vitórias deste hábil guerreiro e astucioso político grangearam-lhe o apelido porque é mais conhecido nos Chronicon de Hadjeb-al-Mansur (o ministro vitorioso), o Almansor do nosso onomástico.
A gazua de Almansor estendeu-se também à Galiza, que muito teve a sofrer, mas não devemos entender, como quer o Chronicon do monge de Silos e outros, que ele destruiu e arrasou tudo. O contrário se deduz claramente desses mesmos documentos e já o constatou Herculano. Portanto, pouco ou nada deveu esta tormenta modificar o modo de ser da nossa vida social; as destruições mencionadas nos Chronicones referir-se-ão a alguns castelos ou povoações importantes fortificadas. À sua morte, a monarquia asturiana tornou a dilatar-se rapidamente para além do Douro.
Pelos anos de 1188 a 1195 veio também combater na Espanha, contra os cristãos, o califa de Marrocos, Ya’qub al-Mansur, mas estas incursões tiveram pouca importância, devendo ser, portanto, do outro os nomes que ficaram a vários sítios do termo em Portugal.
Pelágio, da estirpe régia dos godos, após a sangrenta batalha ou batalhas em que se submergiu a monarquia de Rodrigo, retirou-se, com os poucos escapados, para as montanhas das Astúrias, onde, sendo por eles nomeado rei, deu princípio à monarquia asturo-leonesa, com a sua primitiva capital em Cangas de Onís, que sucessivamente foi transferida para Oviedo e Leão. Morreu em 737.
Fáfila, seu filho, sucedeu-lhe no reino e governou dois anos. Adefonso I, cunhado de Fáfila, reinou em seguida durante dezoito anos. Tomou aos sarracenos muitas cidades, tais como: Lucum, Tudem, Portucalem, Bracaram Metropolitanam, Viseu, Flavias, Agatam, Letesmam, Salamanticam, Zamoram, Abelam, Secobiam, Asturicam, Legionem, Saldaniam, Mabe, Amaiam, Septemancam, Ancam, Velegiam, Alabensem, Mirandam, Rebendecam, Carbonariam, Abeicam, Brunes, Cinifariam, Adefanco, Oxomam, Cluniam, Arganciafi. «Campos quos dicunt Gothicos usque ad flumem Dorium eremavit, et cristianorum regnum extendit.».
Ora, morrendo este rei em 757, segundo traz o Chronicon Sebastiani, menos de meio século depois da invasão árabe, embora tenhamos de dar a esta data o desconto devido à pouca exactidão cronológica que há nos documentos desta época, e tendo ele tomado aos sarracenos as cidades indicadas e, certamente, o distrito de Bragança, que entre elas fica encravado, achamos não ser temeridade o afirmar que o domínio sarraceno, na nossa região, foi efémero e nunca tranquilo. Daqui concluímos que o distrito de Bragança deveu, nesta época, ficar desabitado, sendo a sua população transportada para as Astúrias.
Alexandre Herculano, também baseado nos lugares dos Chronicons citados, entende que as províncias que hoje chamamos Galiza e Castela Velha, e outras regiões próximas, sucessivamente foram despovoadas meio século apenas depois da conquista sarracena, pelos reis astures, que transportaram para as suas montanhas os habitantes, e só por esta exuberância de população se explica, diz o ilustre historiador, o rápido incremento da monarquia de Oviedo.
Idêntico sistema adoptou modernamente Wellington contra os franceses nos entrincheiramentos de Torres Vedras. Fruela, Aurélio, Silo, Mauregato, Veremundo, Afonso II, Ramiro ou Ranemiro, que morreu em 850, reinaram em seguida.
Ordonho I, filho de Ramiro, sucedeu-lhe no trono e morreu em 866, depois de haver povoado Leão, Astorga, Tui, Amaia e muitas outras terras. Daqui se mostra como só no tempo deste rei é que a região bragançana deveu ficar definitivamente pertencente aos cristãos, depois de sofrer contínuas devastações, tanto como dos sarracenos, e foi repovoada, sem dúvida, com as colónias que Afonso I havia retirado para as Astúrias.
Afonso III, seu filho, sucedeu-lhe a 26 de Maio de 866 e morreu em 911. Povoou as cidades de Braga, Porto, Viseu, Lamego, Chaves (Flaviensis) e outras.
Garcia I, Ordonho II, que morreu em 924, Fruela II, Afonso IV, que morreu em 931, Ramiro II, que morreu em 951, Ordonho III, Sancho I, Ramiro III, Bermudo II, Afonso V, Bermudo III e Fernando I, que morreu em 1065, reinaram sucessivamente.
Fernando I dividiu em sua vida o reino por seus três filhos: Afonso, que teve Leão com Astúrias; Sancho, toda a Castela, e Garcia, toda a Galiza. Não conservaram, porém, muito tempo entre si a paz, e Afonso, que foi o sexto na ordem cronológica dos deste nome, ficou senhor dos estados de seus irmãos. Morreu ele em 1109 e foi o pai de D. Teresa, mulher do conde D. Henrique, pai de D. Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal.
Mariana e Brito dizem que já Afonso III dera em vida o senhorio da Galiza a seu filho D. Ordonho.
Parece que na Galiza houve sempre um fermento de revolta contra os reis astur-leoneses, talvez o desejo da autonomia. Vários deles tiveram aí sérias dificuldades a vencer, tais como: Afonso III, Ordonho III, Sancho I, etc.
Amado diz que Afonso IV, arrependido de ter abdicado o reino em favor de seu irmão Ramiro, pretendeu reavê-lo, resultando daqui guerra entre os dois, e que os mouros, aproveitando-se da ocasião, invadiram os estados cristãos, tomando Bragança, Lamego e Porto, estendendo-se desde o Douro até ao Tejo, pelos anos de 934.
Não sabemos até que ponto seja verdadeiro este facto que não achamos mencionado nos chronicones da época. Mariana diz que Ramiro teve realmente muitas guerras com os mouros, das quais sempre saiu vitorioso, e não menciona o facto apontado por Amado; porém, se realmente assim foi, logo seriam obrigados a abrir mão dessas cidades, pois o mesmo Amado diz que Alboazar Ramires, filho de Ramiro, reconquistou logo Bragança.




Memórias Arqueológico-Históricas
do Distrito de Bragança

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