sábado, 8 de fevereiro de 2020

Entrevista a Ramiro Pires

O Memórias…e Outras Coisas (MOC) entrevistou Ramiro Pires (RP), um Artista Bragançano multifacetado. A sua atividade abrange diversas áreas como a pintura, a escultura, o desenho, a ilustração, a caricatura, o retrato, o teatro e, sobretudo, o ilusionismo.

MOC: Para mim e para muitos outros, és o Ramiro. Para muitos mais, uns largos milhares, és o (ORIMAR SERIP).  Um começa quando o outro acaba ou complementam-se?

RP: Oi Henrique, começas logo com uma pergunta muito interessante. Mesmo. Depois de muitos anos consigo diferenciar o “Ramiro” do “Orimar Serip” e faço sempre questão disso. “Ramiro Pires” é o meu nome próprio enquanto que o “Orimar Serip” é a personagem do mágico que o “Ramiro” interpreta. “Orimar Serip” é o nome artístico que o “Ramiro” criou. É o outro lado da lua… é o meu outro “eu”… “Orimar Serip” é o outro que não pode ser simplesmente “Ramiro Pires”. No fundo, essas personagens completam-se e por vezes separam-se. Começa quando o outro termina sem nunca desfazerem o elo de ligação. Por exemplo, na rotina diária do “Ramiro”, há sempre alguma criança ou adulto que pede para fazer “um truque mágico”. Nestas situações, deixo de ser o “Ramiro Pires” e passo desde logo a ser o mágico “Orimar Serip” completando-se com o “Ramiro”. Ou seja, é uma espécie de dois em um. (risos)

MOC: É costume dizer-se que “Santos da Casa não fazem milagres”. Sentes isso?


No Atelier de Pintura
RP: Claro que sinto… desde sempre. É triste sentir isso. Porque é que os que são de fora é que são os melhores? Quando temos, dentro da nossa “casa”, da nossa região, jovens criativos, tão bons ou melhores? Porque é que não os deixam ou não os apoiam para fazerem milagres? Porque é que projetos, vindos de fora, iguais ou idênticos aos meus, são aceites e os meus ficam nas gavetas para estudo? Será que tenho que mudar de residência para outra qualquer cidade para que me deem crédito ou valor? Gosto muito da minha cidade e tu sabes que sim. Já fiz muito por ela e quero fazer ainda mais. Mas para “Santo”, na opinião de alguns pseudos catedráticos, tenho os pés muito grandes e não consigo manter-me no “altar” nem fazer “milagres” nesta cidade… enfim… mas esquecem-se que levei e continuo a levar o nome de Bragança e a minha arte a muitos lados. E fui e sou sempre muito elogiado e muito bem recebido. Aí sim, faço milagres. Enquanto puder, tentarei fazer “milagres” na minha cidade que amo. Pois desistir é estagnar.

MOC: Ramiro. Como é ser mágico?

RP: …bom, isso tens que perguntar ao “Orimar Serip”. (risos) …Estou a brincar (risos). Mas como vês, ao (Ramiro) por vezes confundem-no com o mágico. …Quanto à tua pergunta e com certeza que o “Orimar Serip” não me leva a mal por responder por ele, digo-te, que ser mágico, é, basicamente poder fazer os sonhos acontecer. Doutra forma seria impossível. Pois, na magia, o impossível torna-se possível… é o desafiar de todas as leis físicas. Fazer levitar as nossas ideias, os nossos sonhos. Ser mágico é poder fazer com os adultos voltem a ser crianças e fazer com que as crianças vivam coloridas e mágicas fantasias. No fundo, ser mágico é sonhar e fazer sonhar …

MOC: Costumamos, nas nossas tertúlias, dizer que O F.A.O.J. marcou uma ou duas gerações. Concordas?

RP: Concordo em pleno. O F.A.O.J. foi sem dúvida uma rampa de lançamento para muitos criativos. Eu faço farte dessas gerações, em que, mesmo sem condições como hoje em dia existem, se fizeram coisas muito interessantes e levámos arte em forma de sorrisos a tantas e tantas localidades. Marcou sem dúvida!

MOC: Fizeste parte, desde a primeira hora, do grupo de atores do Teatro em Movimento liderado pelo nosso saudoso amigo Leandro do Vale. Fala-nos um pouco desses tempos.


No Museu do Abade de Baçal
RP: Sim, desde a primeira hora que fiz parte do “Teatro em Movimento”. Fui um dos escolhidos para inicialmente participarmos num curso de teatro. Curso esse que foi dirigido pelo saudoso e irmão Leandro Vale e a Helena Vidal sua companheira. Integrei de imediato o elenco do referido “Teatro em Movimento”. Mas, apesar de, já ter tido antes algumas experiências teatrais, foi para mim um enorme privilégio ter dado continuidade a esse mundo do sonho, da representação. Passei a ser assalariado duma companhia de teatro profissional. Era completamente diferente. Nesse tempo, década oitenta, descentralizámos o teatro. Levámo-lo a sítios onde por vezes a luz só existia durante o dia. Fomos ao nosso Portugal profundo do norte ao sul, aos Açores de ilha em ilha, e até ao estrangeiro. Percorremos kms e kms na carrinha “Dna Sherpa”. Foi um tempo onde a humildade, a simplicidade e o respeito operava. As pessoas desses lugares puros, deixavam a novidade das novelas, transmitidas naquela época apenas pela RTP, pois não existiam mais canais, para irem assistir ao teatro ao vivo nas casas do povo ou em salas improvisadas, com atores, ali, a poucos metros de distância, de carne e osso como elas. Tempos idos que nunca mais esquecem. E no final dos espetáculos tínhamos que ir a confraternizar com eles e ai de qualquer um de nós que não bebesse pelo copo da comunidade uma pinga saída das adegas vizinhas. “A minha pinga e o meu chouriço é o melhor”, diziam… (risos)… enfim, era tão delicioso ouvir das bocas sábias, as estórias que nos contavam. Tantas e tantas estórias que teria para mencionar e que recordarei para sempre. Foi um tempo de glória onde também tive o privilégio de conhecer e privar com grandes figuras reconhecidas da nossa praça, do teatro, do cinema, do mundo cultural. E que só as víamos na televisão. Fui um privilegiado. Foi onde dei as minhas primeiras “selfies” (risos) e os meus primeiros autógrafos porque o carinho das pessoas assim o exigiam. Foi um tempo e uma experiência que levarei sempre comigo até ao meu último destino pois aprendi bastante, sem nunca saber tudo.

MOC: Lembras-te quem emprestou a voz ao tema musical da primeira peça apresentada em Bragança, pelo Teatro em Movimento, no cine-teatro Torralta, “Canção dentro do Pão”?


No papel de Galileu Galilei
RP: Depois da “Canção dentro do Pão” aconteceram muitas peças, muitos palcos, muitas digressões, muito público. Estamos a falar de 1983 salvo erro, já do século passado (risos) e por isso tenho que ir à gavetinha da memória. Se bem me lembro, o tema musical era do nosso amigo e companheiro Higino Fernandes e quem a cantou foste tu Henrique e, tal como com este tema musical, emprestaste muitas e variadíssimas vezes a tua voz.

MOC: Algum dia pensaste em fazer do ilusionismo a tua profissão?

RP: Na verdade, sempre sonhei ser ilusionista. Sempre. Desde criança que a curiosidade da magia me acompanhava quando via os “magos” (assim chamados por serem figuras mágicas intocáveis) aquando das suas atuações nos circos. Sempre quis aproximar-me desta redoma que para mim, era um mundo impossível de alcançar. Sonhava com este mundo. Também queria ser mágico. Cheguei a espreitar pelas janelinhas das roulottes dos tais “magos” enquanto eles preparavam previamente os seus truques para as suas atuações nos circos que estacionavam perto de minha casa. Com perseverança pensei e consegui fazer do ilusionismo parte integral da minha vida. Apenas nunca pensei que, como ilusionista, conseguisse ser transversal a muitas gerações. Pois já atuei para crianças que hoje já são pais e já atuei para filhos que já foram pais. Já sou um mágico avô, não reformado e sempre no ativo (risos).

MOC: Há algum truque que queiras fazer e ainda não tenhas conseguido?

RP: Sim Henrique, queria fazer desaparecer alguns parasitas desta nossa sociedade, alguns políticos que poluem o ambiente com ideias e leis estapafúrdias, alguns pseudos donos disto tudo, como se os outros indivíduos fossem seus carneiros. (risos). Só ainda não consegui porque estas raças já são imensas, infelizmente não tenho esse poder e faltam-me os pozinhos mágicos para este tipo de aparatos (risos).

MOC: Preferes ter como público crianças ou adultos?


Peça de Teatro "Canção dentro do Pão"
RP: São públicos completamente diferentes. O público adulto já olha para os espetáculos mágicos com um pouco de desdém. Sempre com um pé atrás. Já é adulto e pensa que a magia é apenas para as crianças. Por vezes, para aplaudir, olha primeiro para o vizinho de plateia a ver se ele também aplaude. Não gosta de ser iludido, e, quando está acompanhado da sua donzela e vice versa, pior ainda (risos), apesar de saber previamente qual o tipo de espetáculo que vai ver. Esquece-se que o ilusionismo é a única profissão em que o ilusionista está autorizado a enganar nos seus espetáculos. Nas atuações para os adultos tem que se ser um ótimo entertainer. - Quanto ao público crianças, o peso que elas acarretam vale ouro. Não há, na sua gargalhada o mínimo de cinismo ou hipocrisia. Não há no seu aplauso o “forçar” do “parecer bem” ou “ter que ser”… são as células sãs de um corpo ainda em crescimento. São elas que nos fortalecem o “ego”, porque nos homenageiam com o brilho dos seus olhares ávidos de magia, sedentos de cor e estrelas saídas de um imaginário em formação. Ainda não tiveram tempo de estudar o socialmente correto ou incorreto e por isso, são apenas crianças que olham o mágico com admiração e espanto. Elas são o futuro e é nelas que acredito quando um espetáculo por elas, é considerado um verdadeiro espetáculo.  Elas tendem a imitar o ídolo e como tal tenho que ter muito cuidado com a escolha dos aparatos mágicos. Elas são muito perspicazes, pois têm uma imaginação fértil e por isso são o público mais difícil e não é qualquer truque que as seduz. A minha preferência é ter público. Sejam adultos ou crianças.

MOC: Como costumam reagir às tuas atuações?


No Coliseu da cidade do Porto
RP: São reações distintas. O público adulto demora a reagir. Primeiro “estranham e depois entranham”. Mas quando se consegue cativar, agarrar esse público adulto, é meio caminho andado. Temos admiradores e respeitadores que reage positivamente para além do espetáculo… A reação das crianças começa muito antes. Começa dias antes do espetáculo, começa quando ouvem a palavra “mágico” e reagem com carinho para todo o sempre. Nunca se esquecem e quando me veem fazem questão de me chamar “mágico” ou dizer a quem os acompanha “vai ali o sr. mágico”. São carinhosos, são puros. Quando gostam, gostam mesmo. E se não gostarem, são os primeiros a dizer na cara, que detestaram.

MOC: A pintura e o desenho são duas das tuas grandes paixões. Comercializas as obras que produzes?

RP: Sim, comercializo.

MOC: Já falhaste algum truque durante um espetáculo?


Peça de Teatro "Um Cavalheiro Respeitável"
RP: Como dizem os sábios “errar é humano” e sobretudo, como humano que sou,  quando interpreto o papel de mágico, também falho, e já falhei muitos truques durante espetáculos. As coisas por vezes acontecem-nos sem adivinharmos onde irão acontecer. Nunca acontece onde, previamente, nos ensaios, pensamos que vai acontecer. Acontece sempre no truque ao lado (risos). E claro que até hoje consegui dar a volta por cima sem que o digníssimo público se apercebesse. Mas há falhanços que acontecem e ainda bem que acontecem, pois fazem com que o truque fique ainda muito melhor aos olhos do público. Faço ainda hoje, alguns truques que “nasceram” após falhar e são um sucesso. Aprendemos com os erros.

MOC: Já passaste, certamente, muitos momentos bons e alguns maus durante os teus espetáculos. Conta-nos um momento bom e que jamais esquecerás.


Peça de Teatro "Morte Dourada"
RP: É já difícil na minha carreira mágica, encontrar apenas um momento bom. Ir à televisão é sempre um bom momento e foram já muitas vezes muitos momentos bons. Já fui premiado a nível internacional. Já tive o privilégio de atuar nos melhores palcos no nosso Portugal e no estrangeiro. Mas, atuar na grandiosa sala do Coliseu do Porto, lotado, uma referência do nosso País e além-fronteiras, também mais do que uma vez, não foi um momento bom, foi um momento esplendoroso e ficará sempre na minha retina.

MOC: E um momento mau.

RP: Já tive maus momentos, claro. Costuma-se dizer que “quem anda à chuva, molha-se”. Mas respondendo à tua pergunta, enuncio um momento terrível. Estava nos bastidores, enquanto um colega atuava e sucumbiu em pleno palco. Péssimo momento (…) …

MOC: És co-fundador da recentemente criada em Bragança, Associação “Em Nome do Grito”. O que pretende ser esta nova Associação? Já iniciou a atividade?


"O Sonho" Espetáculo Mágico
RP: Sim, Henrique, sou presidente e co-fundador da Associação “Em nome do Grito” e encenador e ator do grupo de teatro “Grito Boémio”, integrado na referida associação. Esta associação pretende ser uma lufada de ar fresco proporcionada pelas várias modalidades que a arte encerra (teatro, magia, workshops, poesia, etc, etc…).  O nosso grupo, atualmente com sete elementos, juntou-se porque queremos levar à gente desta cidade e arredores um pouco de “escapar do dia a dia e do cinzento tantas vezes pintado no rito do ritmo das estações que é a nossa vida”. As distrações são essenciais para que emocionalmente possamos abstrair-nos dos não muito raros problemas que se nos deparam. Estamos no início. Ainda não estamos definitivamente instalados. Continuamos à procura de um “lugar que sintamos nosso”, digamos, uma sede. Se defines atividade como ensaios, sim, já iniciámos. Estamos a preparar uma peça infantil e uma para adultos. Gostaríamos de fazer a diferença. Precisamos de toda a ajuda possível. Patrocínios, sócios e amigos. Conto contigo.

MOC: É usual dizer-se que atrás de um grande Homem está sempre uma grande Mulher. No teu caso, o ditado, encaixa como uma luva.

RP: Certíssimo Henrique. Encaixa como uma luva. É o meu braço direito. Está sempre nos meus bastidores porque para haver sucesso, tem que existir uma equipa invisível aos olhos do público, mas que é tão ou mais importante que o artista principal. Está sempre nos bons e nos maus momentos. 
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Meu Caro e Velho Amigo Ramiro. Muito obrigado pela entrevista com que me honraste.
Um grande abraço de profunda amizade e estima.

Henrique Martins
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Não tens que agradecer, Henrique, já muitas vezes a tua mão me foi estendida para me proporcionares espetáculos, já muitas vezes descortinei nos teus gestos e olhares essa profunda amizade e estima que é recíproca. Tu também és um caro e velho amigo, tu também tens um valor incalculável porque estás sempre PRESENTE.

«e… de tantas mãos que nos passam pelas mãos, tão poucas são as que nunca se esquecem».

As tuas nunca serão esquecidas.


Ramiro Pires

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